Quando vos perguntam o que gostam acerca de um certo jogo, quais são os aspetos que definem como importantes? No meu caso, e em muitos outros, aspetos como a jogabilidades, arte, história e consistência são os pontos onde mais me foco e que mais afetam as minhas decisões de compra.

No que toca a AAA, existe um aspeto que requer elevado investimento da parte da editora, e que, na minha experiência, quase nunca é mencionado como um aspeto decisivo no que toca à apreciação de um jogo. Este aspeto é algo que, tecnicamente, afeta as primeiras impressões de um jogo, e, logicamente, deveria de ser um dos aspetos cruciais que afetam a decisão de compra da parte do consumidor. Estou a falar dos gráficos, do qual irei impor a seguinte questão: serão os gráficos assim tão importantes?

Penso que, para muitos, este artigo é praticamente redundante, sendo que os gráficos pouco ou nada lhes interessam, e têm zero impacto na sua experiência. Admito que eu sou exatamente uma dessas pessoas, mas é por isso mesmo que gostaria de refletir neste aspeto tão focal nos dias de hoje, reforçando os aspetos mais cruciais que realmente afetam a experiência do jogador.

O melhor caminho para começar são nos motores de terceiros disponíveis para todos utilizarem, tais como o Unreal Engine ou o Unity. A facilidade de desenvolvimento que estes motores trouxeram é sem dúvida algo que beneficia bastante a indústria, especialmente para os indies, mas, na minha opinião, pode também ser uma armadilha que poderá resultar num jogo que nunca irá reproduzir a visão artística da equipa da forma mais eficaz.

Se formos olhar para alguns jogos feitos no Unreal Engine lançados recentemente, reparamos que, apesar de muitos destes jogos serem artisticamente diferentes uns dos outros, há sempre algo de raiz que os mantém bastante semelhantes. O fato do motor aplicar técnicas focadas em proporcionar visuais o mais realistas possíveis faz com que qualquer desvio deste mesmo objetivo seja encarado de uma forma pouco experimental.

Podemos pegar num pequeno grupo de jogos recentes feitos no Unreal Engine 5 e reconhecer facilmente algumas semelhanças técnicas entre eles, apesar das suas direções artísticas completamente divergentes. Se compararmos, por exemplo: Lords of the Fallen, Immortals of Avernum, Fort Solis e Senua’s Saga: Hellblade II, conseguimos distinguir os jogos pelo seu aspeto artisticamente, mas, tecnicamente, estes jogos são praticamente indistinguíveis. A iluminação, os modelos, e a forma como as texturas se resolvem no ecrã são fatores que facilmente se distinguem no motor, e, apesar das diferenças artísticas entre estes jogos, não temos muito espaço para alguma experimentação relativamente a fatores técnicos. A iluminação, com o seu foco realista, é um exemplo perfeito disto, não havendo qualquer desvio para criar uma atmosfera mais única e singular, estando tudo dentro dentro desta apresentação mais natural e, na minha sincera opinião, um pouco aborrecida. Nem sempre se torna o caso, como por exemplo em Lords of the Fallen. Quando se entra na Umbral Realm, somos apresentados com uma atmosfera sombria, com um foco em cores extremamente frias e uma iluminação acentuada, desviando-se um pouco deste perfil técnico que define o Unreal Engine 5.

Tentando pôr em contraste esta singularidade do Unreal Engine, irei identificar outros jogos recentes que se focam também em proporcionar um aspeto gráfico realista, mas utilizando outros motores. Se vos perguntar por alguma semelhança técnica entre os jogos modernos do Unreal Engine 5 e algo como o Ghost of Tsushima e o Horizon Forbidden West, provavelmente irão mencionar o grafismo de extrema qualidade que estes jogos apresentam. Ora que, para vos relembrar, estes 2 jogos saíram também para a Playstation 4, e as suas versões para a Playstation 5 e PC não usufruem de quaisquer tecnologias avançadas como ray tracing ou a quase inexistência de mudanças de nível de detalhe.

Os motores em que estes 2 jogos foram construídos são motores internos desenvolvidos pelas próprias equipas, e reparamos imediatamente como os jogos tiram o máximo partido das capacidades técnicas dos mesmos. No caso de Horizon Forbidden West, o motor possibilita um nível de detalhe em superfícies e terrenos imbatível, com uma quantidade enorme de vegetação única e variada, e uma complexidade geométrica surreal. Em relação ao Ghost of Tsushima, conseguimos distinguir a sua atmosfera extremamente única, com uma iluminação tradicional que define um visual completamente artístico, com um foco em apresentar ao jogador uma sensação única, abstendo-se de qualquer foco extremo no aspeto natural.

Mas, voltando ao assunto da importância dos gráficos, será que são mesmo assim tão importantes? Iremos supor que, das consolas modernas, aquela com menor capacidade gráfica detinha dos piores jogos. Neste caso, estaríamos a falar da Nintendo Switch, o que, obviamente, é uma falácia autêntica. Sendo que a consola da Nintendo detém de jogos que foram constantemente nomeados para prémios de jogo do ano, obviamente que há algo muito mais importante que os gráficos. Apesar da simplicidade gráfica, penso que muitos poucos competem com o esplendor artístico e a perfeição em game design presente em jogos como The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom, Super Mario Bros. Wonder e Super Mario Odyssey. Estes jogos respiram originalidade e criatividade, dando ao jogador uma experiência única, tanto a nível visual como de jogabilidade.

E, já que falamos de originalidade, criatividade e experiências, tenho outros exemplos exteriores à consola da Nintendo, que, para mim, demonstram exatamente o quão pouco impacto os gráficos têm num jogo. Jogos como Gris, Ori and the Will of the Wisps, Hades, Cuphead e Okami são apenas alguns exemplos de jogos que transpiram a sua arte com uma perfeição exímia. Quando cada fotograma do teu jogo pode ser considerado uma pintura ou peça de arte, sabes que fizeste algo visualmente deslumbrante.

Quando me imerso em jogos artisticamente belos como os mencionados acima, a tecnologia usada para renderizar o que vejo no ecrã é completamente irrelevante para mim. Apesar de apreciar bastante os aspetos técnicos de um jogo, o que me impressiona mais é a representação da sua arte no meio interativo em que se encontra. Tecnologias como ray tracing e fotogrametria têm-se mostrado como algo completamente opcional, havendo ainda um grande número de jogos a utilizar técnicas mais tradicionais e manuais. Para mim, jogar um jogo com ou sem ray tracing é indiferente, desde que a arte seja respeitada, e os restantes aspetos não visuais do mesmo tenham a devida competência.

Um bom jogo lançado à cerca de 1 ou 2 décadas não deixa de ser bom, só porque a tecnologia avançou e temos melhores gráficos. Muitas vezes, até temos situações onde os jogos do passado continuam a ultrapassar os jogos modernos em termos de design e criatividade. Para muitos, pode ser a nostalgia a falar, mas, se fosse o caso, porque é que há tantos remakes e remasters? Porque é que os vencedores do jogo do ano têm sido constantemente jogos onde o grafismo demonstra ser inferior ao suposto “standard” do AAA de hoje em dia? Jogos como Elden Ring, The Legend of Zelda: Breath of the Wild e Baldur’s Gate 3 demonstram que há muito mais do que apenas gráficos num jogo, e, de acordo com o sucesso de ditos jogos, o consumidor também parece concordar.

Novamente, deixo aqui a questão para todos, e para a indústria dos AAA, que tanto investem neste aspeto: serão os gráficos assim tão importantes?