Foi através de videojogos como Splinter Cell ou Sly Cooper que descobri uma das melhores sensações num videojogo. Conseguirmos passar um nível inteiro sem que ninguém nos veja ou ouça, cortando a tensão com uma faca de ação furtiva.

Ao passar os jogos referidos acima desenvolvi a mania de não matar a não ser necessário, e passar todo e qualquer jogo (possível) sem ser visto. Creio que a ação furtiva traz outro nível de planeamento a um jogo, mesmo que este tenha também uma vertente de acção e tiros, ao decidirmos passar sorrateiramente, tomamos a iniciativa de acrescentar uma nova camada à jogabilidade, o que a torna mais desafiante, e ao mesmo tempo, mais gratificante.

Ora, com base nestas minhas manias, decidi lançar-me a Serial Cleaners.

Sequela do seu nome singular, Serial Cleaner, e novamente desenvolvido pela Draw Distance e publicado pela 505 Games, avançamos 20 anos face ao predecessor. Na primeira iteração jogámos como Robert “Bob” C.Leaner, um cleaner, ou seja, alguém que tem como trabalho remover quaisquer provas, corpos e sangue de cenas do crime, de forma a impossibilitar a culpabilização dos criminosos.

Eis que duas décadas mais tarde, e após eventos conturbados, Bob decide regressar, reunindo então um grupo de 4 cleaners, incluindo o próprio, passando então o protagonismo a ser repartido e abrindo os horizontes não só à jogabilidade, pois cada um tem os seus pontos fortes, como à ramificação da história, dando-nos um olhar para o passado de cada um.

Jogamos agora como Bob, o cabecilha ágil e perspicaz que consegue deslizar no sangue espalhado no chão para fugir de forma mais eficaz e ainda embrulhar os corpos em sacos de forma a que não deixem rasto de sangue, Vip3r, uma hacker que consegue mover-se através de condutas e utilizar terminais para desactivar câmaras ou distrair os guardas com alarmes, Latisha “Lati” Thomas é a nossa atleta, mestra de parkour, não há muro ou vedação que seja impedimento para esta jovem carismática, e, por fim, temos a personagem mais abstrata e violenta, Haldor “Psycho” Boen traz sempre consigo uma serra elétrica para desmembrar os corpos e poder atirar os membros aos polícias/guardas.

Sim, leste bem, vais poder atirar braços.

A história decorre na casa de Bob, onde os 4 cleaners se reúnem para descrever, em forma de missão, os trabalhos que fizeram até chegarem àquele ponto. O jogo divide-se em actos, sendo que em cada acto vamos conhecendo melhor as personagens e as suas motivações.

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Não faltarão missões, o que significa que não faltam também momentos e protagonismo para cada personagem. Embora ache que a história e o passado de cada um foi lindamente retratada, a cerca de meio do jogo surge uma reviravolta que me apanhou completamente de surpresa. Não porque não estava atento, mas porque a motivação por trás da decisão não é sequer explicada e vai contra o que nós (jogadores) fizemos nas missões.

Creio que a atmosfera dos anos 90 é escolhida e adaptada na perfeição. Seja a banda sonora ou a caracterização das ruas (entre muitos mais elementos), Serial Cleaners transporta-nos de forma bastante imersiva para o submundo do crime da década de 90. Com este retrato temporal, passamos por várias localizações ao realizar as limpezas. Desde prisões, a museus, ou até mesmo uma zona de construção, cada uma mais difícil e vertical do que a anterior, requerendo ao jogador um planeamento cuidadoso de forma a que os recursos que temos à disposição não sejam gastos em vão.

O maior inimigo deste jogo é sem dúvida a câmara. Dado que jogamos em perspectiva isométrica e os níveis são compostos por várias divisões de forma a elevarem a dificuldade para podermos executar a limpeza sem sermos vistos, a câmara nem sempre nos deixa perceber se temos realmente uma parede a separar-nos de um guarda e até onde é que estes nos podem ver. Uma das confusões mais comuns para mim foi nas salas de bilheteiras, visto que estas normalmente são espaços fechados, no entanto, aqui encontramos tanto balcões “abertos”, como fechados, tornando-se difícil perceber qual é qual.

Não temam, pois serem descobertos não significa o fim da missão. Temos 3 crachás no topo direito do ecrã que servem como medidores de gravidade da situação, sendo que no último os guardas vão disparar assim que nos virem. Quando somos descobertos por um guarda, este (e outros que se apercebam) começa(m) a perseguir-nos. Ao início não sabia bem o que fazer então fugi como um tresloucado pelo nível inteiro até me aperceber que bastava andar à volta de um pilar e agachar-me assim que o guarda deixasse de me ver, simples e eficaz. Claro que retira imersão mas como já referi, à medida que completamos cada acto, os níveis ganham mais verticalidade, o que significa que o planeamento se torna mais intensivo, obrigando-nos a recorrer a várias medidas drásticas para completarmos a missão sem sermos vistos.

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A jogabilidade em si é bastante satisfatória. O loop que a Draw Distance criou funciona na perfeição, até mesmo ao ponto de eu não descansar enquanto não aspirasse o sangue todo, tanto que existe um troféu para quem conseguir aspirar o sangue todo ao longo das várias missões, portanto, se a minha motivação já era forte, aí é que não descansei até conseguir.

Através do nosso “sentido” de cleaner, conseguimos destacar vários elementos no local, algo que por vezes confunde, pois certas manchas no chão acabam por se parecer com sangue, o que me fazia ir 2 ou 3 vezes ao mesmo sítio pois faltava-me uma pinga de sangue por aspirar e simplesmente não percebia onde era. Para além de aspirar o sangue como já referi, temos ainda de nos desfazer dos corpos e das provas. Podemo-nos desfazer de ambos nos carros que usamos para fugir, pois estes parecem ter um porta-bagagens quase infinito dada a quantidade de corpos que encontramos em certas missões, ou podemos também largar os corpos e as provas em locais estratégicos, como por exemplo rios que passem perto dos locais das missões.

A vertente audiovisual de Serial Cleaners acerta na mouche.

O foco dos gráficos não é o realismo, sendo que a direção artística, como podem ver nas imagens, contribui de forma bastante notável para a personalidade do jogo. Existe uma clara distinção de cores entre níveis, desde uma rave altamente colorida a uma prisão quase mórbida de aspecto. Serial Cleaners funciona quase como um quadro, nós estamos lá para revelar a verdadeira face do local, e quanto mais vamos revelando, mais nos imergimos.

Não só temos variedade na apresentação visual dos níveis, como cada personagem tem uma banda sonora própria. Se jogarmos com Vip3r somos acompanhados de uma onda techno, LaTi traz consigo o famoso boom bap do Harlem, Bob limpa aos tempos do jazz e Psycho, em homenagem à sua adrenalina natural, é normalmente acompanhado de riffs eléctricos.

O retrato da década de 90 encaixa que nem uma luva tanto a nível visual como sonoro.

Depois de perceber a janela de lançamentos em que Serial Cleaner saiu, não augurava grande futuro para a saga. A verdade é que esta voltou mais polida, mais técnica, e mais viva que nunca.

CONCLUSÃO
Clean
7.9
serial-cleaners-analiseA Draw Distance pegou em tudo o que tornava Serial Cleaner bom e elevou a fasquia. Não só trouxe um título com personalidade e um loop de jogabilidade viciante, como as estabeleceram novas possibilidades de ramificação da história. Só nos resta esperar por mais!