Mergulhar num mundo criativo e imaginativo é sempre boa ideia, especialmente após uma longa semana de trabalho ou dias de maior cansaço e desgaste. A imersão oferecida pelos videojogos é impossível de ignorar, com o precioso contributo de boas bandas sonoras, cenários envolventes, protagonistas carismáticos e momentos épicos de ação e suspense. Ainda assim, apesar de toda a adrenalina que nos puxa para dentro do ecrã e nos coloca lado a lado com as nossas personagens preferidas, há dias em que apenas nos apetece relaxar, sem cronómetros, sem batalhas e sem a euforia de derrotar uma multidão de adversários ferozes. Por vezes, só queremos mesmo entrar num espaço seguro, sem preocupações e sem complexidade. E é nessas ocasiões que escolhemos embarcar em simuladores, quase inesgotáveis e verdadeiros caminhos sem volta.

Quando o assunto são simuladores, há nomes de que nos lembramos automaticamente, como, por exemplo, The Sims, num registo mais citadino, e Story of Seasons (Harvest Moon) ou Stardew Valley, num registo mais rural. É com base neste último registo, e especialmente neste último título, que vou coordenar e escrever este artigo, tendo em conta que quase todos os jogos do género assentam em mecânicas, conteúdos e tarefas semelhantes. A partir do conceito e do sucesso de Stardew Valley, há uma reflexão que surge e que vou tentar fazer: Por que razão são os simuladores de vida no campo tão relaxantes? E como é possível que algo repetitivo seja tão viciante e interessante? É isso que vamos (tentar) descobrir!

Stardew Valley e Story of Seasons abrem-nos a porta para pequenas aldeias e vilas povoadas por cidadãos simples e curiosos, que vamos conhecendo aos poucos e à medida que nos aproximamos deles. Semelhantes a coloridos livros de histórias ou a dinâmicas cidades de brinquedos, estes simuladores guardam geralmente segredos no cenário e pequenos mistérios que vão sendo desvendados ao longo do percurso. Enriquecidos por mecânicas simples (o que parece contraditório, mas é uma clara mais-valia para o género), estes simuladores transformam-nos em agricultores, colecionadores, mineiros e especialistas em pecuária em poucos minutos e a partir do sofá ou de uma cadeira de escritório.

Com a vida no campo à distância de um comando, todas as tarefas que lhe estão associadas passam a estar igualmente ao nosso dispor. Entre pás e picaretas, perdi a conta a todas as horas que passei a semear, regar, colher, pescar, cavar e a vender ovos e leite no mundo pixelizado de Stardew Valley, tanto no computador como nas consolas. Cada dia que passa no cativante mundo criado pela ConcernedApe é estranhamente igual ao anterior, mas, de forma fascinante, consegue ser sempre diferente. A verdade é que Stardew Valley, apesar de rudimentar, é extremamente viciante, mantendo-se no topo das listas de vendas, de sugestões e de público em streaming. E foi também por essa razão que decidi usá-lo como exemplo.

A agitação que o mundo nos traz diariamente, os acontecimentos que nos afetam e as rotinas cansativas a que estamos sujeitos empurram-nos para a necessidade de nos refugiarmos em espaços seguros e confortáveis. Aliás, não nos podemos esquecer do quão poderoso e terapêutico foi Animal Crossing: New Horizons, que saiu no rebentar da pandemia, em 2020, nem da forma como transformou por completo a experiência de conforto com que encarámos aquele período menos simpático. Se por um lado os videojogos são uma forma de escapar ao mundo real, por outro podem mesmo exercer sobre nós um efeito tranquilizante e acolhedor, que vai para lá dos combates, das corridas e dos cenários saturados de luz, movimento e ação.

Acredito que grande parte do sucesso de Stardew Valley está na forma como permite, em modo singular ou com amigos, entrar no conceito do jogo. Em cooperação ou não, a adrenalina que encontramos noutros títulos fica guardada no baú e dá espaço à tranquilidade e ao pacifismo da verdadeira vida no campo. Embelezada pelo som da natureza, a repetição de tarefas torna-se um gosto, sobretudo porque permite evolução e progresso sem que seja necessária destreza, uma grande atenção ou uma particular atividade mental. Há dias em que não nos apetece pensar, agir ou reagir e apenas temos vontade de estar e de aproveitar o tempo… e é essa a especialidade de Stardew Valley.

O facto de permitirem uma exploração lenta do cenário, sem urgência e sem rivais, torna os simuladores deste género verdadeiros mantras do slow living. Vivemos entre as cigarras e os pirilampos e apreciamos o passar do tempo desfrutando de cada momento. Ao conhecermos as poucas personagens que dão vida aos cenários, vamos descobrindo histórias e vivências que tornam o contexto muito mais rico. Por incrível que pareça, Stardew Valley e a saudosa série Harvest Moon, por exemplo, têm mais lore do que aparentam e a forma como a descoberta do mesmo nos obriga a interagir com as personagens torna tudo ainda mais envolvente. Das amizades ao casamento, do cuidado de animais ao nascimento de crias, a proximidade com pessoas e animais entra no loop de tarefas que acabamos por assumir de forma intuitiva, mas que nos aproxima emocionalmente do próprio jogo.

Por outro lado, o progresso e a evolução são dois dos grandes motores do género. O desbloqueio de ferramentas mais eficientes, a criação de melhores itens e o desenvolvimento de habilidades através do grinding tornam-se incrivelmente estimulantes. Para além do conteúdo, a questão técnica do modo de salvamento automático no final de cada dia de trabalho força ligeiramente o “vá, só mais um dia!”, muito parecido com o “é só mais este episódio!” com que mentimos a nós próprios perante o vício numa nova série. Estes pequenos detalhes, passando pelos cenários minimalistas e pelo enredo de compreensão simples, tornam os simuladores verdadeiros espaços de conforto, safe spaces para quem procura descontrair e distrair a cabeça de forma relativamente produtiva.

Os estilos gráficos e a arte de cada simulador de vida no campo podem variar, mas a magia mantém-se idêntica. De um lado, temos o estilo pixel art de Stardew Valley, por outro lado temos a fantasia de Animal Crossing. De um lado, a arte delicada e imaginativa de Doraemon Story of Seasons, do outro a vertente crua e realista de Farming Simulator. Nas consolas, no computador e até nos próprios dispositivos móveis, a vida agrícola tem sido explorada há vários anos, por vezes em articulação com as próprias redes sociais, como acontecia em tempos, por exemplo, com o clássico Farmville e com Smurfs Village ou Hay Day. São muitos os nomes que compõem o catálogo do género e que podem alcançar fãs de todas as idades e com todo o tipo de interesses ou dispositivos e plataformas.

Não sei se realmente existe ou se já foi utilizado em algum contexto, mas o termo “O Conforto da Repetição” pareceu-me bastante adequado para incluir neste artigo e para usar como eixo central de toda a reflexão. No fundo, é algo a que recorremos com frequência com séries e filmes. Quem nunca viu em loop aquela “série de conforto” ou aquele “filme anti ansiedade”? No meu caso, Friends, Pokémon e Toy Story entram facilmente nesta categoria. A nível de videojogos, o cenário acaba por ser idêntico, embora com um pouco mais de interatividade e com a repetição a estender-se do conteúdo às atividade e às tarefas.

A música relaxante e o som ambiente dos animais, dos cursos de água ou dos próprios passos são um remédio, agradável de descobrir, para o corpo e para a alma e alimentam a tranquilidade que estes simuladores pretendem oferecer. Com cenários coloridos e acolhedores como pano de fundo, a repetição deixa de ser aborrecida para se tornar prazerosa e todas as pequenas tarefas, que noutro contexto teriam o menor interesse possível, acabam por ser uma parte essencial do processo de evolução e de momentos que apreciamos e recordamos com carinho e nostalgia.

Enquanto tivermos estes pequenos espaços de conforto, teremos sempre conteúdo para explorar e descontrair, até porque o êxodo rural não está ao acesso de todos e os simuladores de vida no campo são acessíveis e tendencialmente inesgotáveis. A sugestão é: experimentem mergulhar num simulador deste género e descubram a serenidade e o sossego em forma de videojogo. A receita pode ser antiga e estar mais do que testada e aplicada, mas continua a ser um sucesso. Que assim seja por muitos mais anos, porque nós agradecemos.