Com um lançamento dividido em dois volumes, algo inédito para a série, a quarta temporada de Stranger Things chegou ao fim no passado dia 1 de julho. E, quase que em paralelo com a sua proposta, Stranger Things resgatou os elementos do terror que a tornaram neste grande atrativo do serviço de streaming da Netflix lá em 2016, algo honestamente surpreendente.

A terceira temporada foi tão colorida e com momentos de terror tão escassos que não esperava que esta fosse tão violenta e grotesca como foi. Corpos são dilacerados, ossos são partidos, sangue jorra das feridas das personagens. Esta é, sem dúvida, a temporada mais brutal de toda a série.

História

Numa narrativa repartida em três núcleos, a quarta temporada leva-nos tanto a territórios internacionais, como ao mundo do subconsciente das personagens, naquela que é uma história interessante, emotiva e envolvente, abrindo as portas para algumas discussões profundas, como a solidão, depressão, bullying, entre muitas outras.

Após os eventos da temporada anterior da série, a rapaziada de Hawkins dividiu-se, alterando as dinâmicas do grupo. Com a mudança para o Estado da Califórnia, a família Byers adota Eleven, que tenta adaptar-se a uma nova vida: sem poderes, longe de casa e sem a sua figura paterna. Porém, esta revela-se uma tarefa tão cruel e imperdoável como sobreviver aos ataques de um Demogorgon. Em Hawkins, as coisas também não estão muito fáceis para os rapazes. Mike e Dustin associam-se ao Hellfire Club, um grupo de D&D liderado por Eddie Munson, tornando-se ainda mais “estranhos” aos olhos de toda a cidade. Lucas, por outro lado, apesar de se juntar ao Hellfire Club com os amigos, decide dar prioridade à equipa de basquetebol, para que possa ser visto como uma pessoa “normal”. Esta atitude parece não agradar os restantes membros do núcleo de Hawkins e em especial a Max, que ainda sofre de sequelas psicológicas motivadas pelos eventos da terceira temporada. Acompanhamos ainda Joyce Byers, que, embora tenha seguido com a sua vida pessoal após os acontecimentos no Starcourt Mall, se apercebe que parte do seu passado pode regressar, o que a leva procurar por velhas alianças e atravessar as fronteiras americanas em busca de respostas.

Por motivos alheios às suas vontades, os grupos vêm-se divididos em três núcleos diferentes que terão de arranjar forma de colocar a distância de lado quando uma nova ameaça intimida Hawkins.

Não obstante a premissa ambiciosa e atraente da história, em certos momentos esta revelou-se confusa, arrastada e desnecessária. O universo por si só já é um pouco complicado. Nunca joguei Dungeons & Dragons e não tive oportunidade de me aprofundar no universo, logo, por muitas vezes, acabei por ficar confuso sobre o funcionamento de certos elementos sobrenaturais da história. Para além disso, já não me lembrava quando e onde é que a sua explicação tinha sido introduzida na série, devido à elevada exposição destes elementos “estranhos”.

Dentro da temporada ainda quero destacar o terceiro grupo, o dos adultos, que não teve qualquer espaço na história que estava a ser contada. Durante toda a narrativa esperava que esta história levasse a algum lado, ou que tivesse consequências graves que repercutissem na trama da próxima temporada. Não foi o caso, e aquilo que tivemos foi uma história que servia quase como uma pausa dos outros fios condutores mais interessantes desta temporada – tal foi o caso da narrativa que envolvia o passado da Eleven. A personagem vê-se obrigada a confrontar, tanto as ameaças do presente, quanto os traumas passados, fazendo com que vislumbrássemos mais do passado da personagem. Algumas coisas são forçadas, como o bullying sofrido nos primeiros episódios da temporada, cujo propósito apenas serve para traçar um paralelo com o seu passado, mas, no geral, é bem executado, fazendo com que o interesse se mantenha por todo o decorrer da temporada. A atriz Millie Bobby Brown entrega os momentos de maior carga emocional com a intensidade necessária, apesar da sua atuação ficar muito aquém.

Eleven, interpretada por Millie Bobby Brown

Personagens/ Elenco

No que toca a atuações, o destaque vai para Sadie Sink, atriz que interpreta Max desde a segunda temporada de Stranger Things. Se anteriormente a personagem ficou reduzida a um papel secundário irrelevante e, quando a história assim o ditou, irritante, agora, nesta quarta temporada, a personagem brilhou. Se antes a personagem aparentou ser um tanto ou quanto rasa (deixando a sua profundidade para o seu irmão, Billy), agora carrega a temporada, e as suas tristezas e mazelas fazem dela a mais importante da temporada.

Max, interpretada por Sadie Sink

Isto claro, não ofusca as restantes personagens. Eddie Munson também foi um destaque da nova temporada. À semelhança de Steve, Eddie é introduzido como uma personagem estereotipada dos filmes de adolescentes dos anos 80. No caso, Eddie é o “rocker” antissocial, cuja música se revela como o seu conforto. Além disso, sendo o mestre do Hellfire Club, Eddy mostra ser alguém confiante de si, cuja autoridade inspira os membros mais novos da “guilda de RPG”. Contudo, este estereótipo rapidamente se desconstrói, e com o passar dos episódios aprendemos mais sobre aquilo que pensa e o que o motiva. Quando é acusado injustamente de um crime que não cometeu, Eddie mostra quem realmente é. Não deixando o humor de lado, Eddie é protagonista de algumas das mais impactantes cenas da temporada. Não estava familiarizado com o trabalho de Joseph Quinn, ator que interpreta Eddie, mas sem dúvida pretendo começar a acompanhá-lo.

O restante elenco continua carismático. Finn Wolfhart e Caleb McLaughlin interpretam, respetivamente, Mike e Lucas e, embora não sejam tão relevantes para a narrativa como outras personagens, transmitem as emoções que a cena necessita. Gaten Matarazzo interpreta Dustin, e, assim como nas temporadas anteriores, rouba toda a atenção das cenas para si, e a dinâmica que partilha com Joe Keery e Maya Hawke (que interpretam Steve Harrington e Robin) é eletrizante. Estes últimos desenvolvem a sua própria química, continuando aquilo que foi criado na temporada passada e acabamos por descobrir mais sobre ambas as personagens.

O último do grupo, Will Byers, interpretado por Noah Schnapp, ficou reduzido a um papel mais secundário. O que é uma pena, já que aquilo que depreendemos das escassas cenas em que a personagem realmente age e revela mais sobre si, são interpretadas com maestria por Noah. Eduardo Franco interpreta Argyle, uma personagem tão estereotipada como somos levados a acreditar, mas é tão engraçado e amoroso que ignoramos todas as suas falhas. Por último quero destacar Mason Dye, que interpreta Jason Carver. À semelhança de Argyle, Jason é o típico estereotipo do jock, o atleta popular que namora com a rapariga mais popular da escola. No entanto, quando o seu mundo perfeito é ameaçado, Jason mostra o quão focado e brutal consegue ser, atrapalhando os nossos heróis. A sua influência em Hawkins é aparente, e um triste retrato de uma sociedade que se foca mais nas influências do que na verdade.

Eddie Munson, interpretado por Joseph Quinn

Não podemos deixar de citar o vilão desta temporada, e aqui fica o meu aviso de spoilers. Não será nada que vos estrague a experiência, mas estão avisados.

SPOILERS

O vilão desta temporada é Vecna, mais um produto do Upside Down que atravessa a barreira que divide o nosso mundo do desconhecido. A princípio, parece tratar-se de mais um vilão parecido ao Demogorgon: um “bicho mau” sem qualquer profundidade além de “ser mau”. Porém, e para a minha surpresa, Vecna é um vilão com personalidade. Vecna tem falas, tem ideais e motivações que servem de força motriz da história desta temporada. O mistério de quem é o Vecna e o que é que quer é o que faz dele o melhor e mais interessante vilão que Stranger Things alguma vez produziu.

Aspetos técnicos

Focando agora em elementos mais técnicos, a cinematografia é boa. Nada que não estejamos já habituados. Os efeitos são razoáveis, nada que impressione, mas isso é compensado por uma ação rápida e tensa, com cenários com cor e palpáveis e com uma câmara que para por momentos, para mostrar a emoção ou raciocínios das personagens em cenas. Caleb Heymann foi o diretor de fotografia para esta nova temporada e fez um excelente trabalho.

A música é boa. A banda sonora original sempre foi boa a transmitir a atmosfera oitentista e isso não muda aqui. Contudo, nunca a achei muito memorável. Já as músicas de terceiros desempenham um papel mais proeminente nesta temporada. Anteriormente, apenas eram utilizadas para se adequar à cena, dando-lhes apenas algum tipo de sonoridade (como exemplo destaco a introdução de Billy, irmão da Max na segunda temporada). Aqui, desempenham um papel dentro da história, algo que não esperava. Creio que todos já tenham reparado no regresso de Kate Bush aos tops internacionais, e isso é graças ao seu uso em Stranger Things. E, contrariamente àquilo que a internet vos possa levar a acreditar, o seu uso é acertado na série. Tem o seu espaço justificado.

CONCLUSÃO
Running up that hill..
7.5
stranger-things-temporada-4-analiseStranger Things é uma das séries com mais fãs em todo mundo. Uma obra que agrada a miúdos e graúdos e que entretém. Não é nada muito profundo, mas que certamente diverte e pode até emocionar os maiores fãs da série. Se já gostavam de Stranger Things, esta nova temporada só vos vai fazer apreciar mais esta obra dos Duffer Brothers. E se tinham ficado desapontados pelas temporadas anteriores, esta nova pode surpreender-vos.