Ainda nos tempos áureos da criatividade da Playstation 2 joguei Dog’s Life. Um jogo cujo protagonista era Jake, um foxhound americano que procura pela sua amada Daisy. Durante a viagem de Jake, temos uma experiência praticamente completa do que é ser um cão, incluindo até mini-jogos (amigáveis) de disputa de territórios contra outros cães!
Este tipo de experiências, era prevalente na era da Playstation 2, pois o orçamento necessário para concretizar um jogo era significativamente menor do que os actuais. Isto, não só era necessário à diversificação de géneros, mas também ao caminho que traçava para possíveis inspirações.
Não sai directamente da linha de inspirações de Dog’s Life (pelo que sabemos), mas o título de hoje surge que nem um raio de luz no meio de tantas experiências similares. Falo pois, de Stray. Assim que o primeiro trailer foi apresentado num State of Play, este fez disparar inúmeros artigos, pois só a ideia de podermos controlar um gato já suscita interesse, e ainda para mais quando falamos de um ambiente futurista cibernético. Mas vamos então falar deste belo jogo.

Encarnamos um gatinho malhado laranja que nos surge numa barragem juntamente com outros 3 amigos felinos. Começamos logo com um tutorial simples e conciso, suficiente para nos pôr a par dos básicos. No entanto, eis que a meio de uma sequência de parkour felina, perdemos o equilíbrio e acabamos por nos separar dos nossos compinchas. À medida que vamos percorrendo a cidade de forma solitária, notamos várias semelhanças com a famosa Kowloon Walled City, um bairro desgovernado de Hong Kong demolido em 1993 para dar lugar a um parque público.
Esta réplica de cidade foi concebida para manter os cidadãos a salvo do mítico ‘Outside’. Embora agora seja habitada por andróides, nem sempre foi esta a sua casa. Descrita como um paraíso povoado por humanos, é agora uma lenda passada entre os sobreviventes da catástrofe no seu interior. Depois de cairmos acidentalmente na cidade, conhecemos o nosso fiel sidekick: B12. Este mini-dróide tem um feitio algo tramado, mas não hesita em ajudar-nos na demanda para encontrarmos o caminho de volta.

A história acaba por ser afunilada, escusando ramificações, o que acaba por compensar visto que deixar o mundo falar por si foi a melhor jogada que a Bluetwelve fez. Não há gordura por cortar (diria até que não faria mal acrescentar mais conteúdo), sendo possível acabar a história em cerca de 4/5 horas. Platforming, ação furtiva, sequências de ação, só falta conseguirmos fazer torradas nesta aventura comprimida, e o mais peculiar é que se complementam de forma natural.
O mundo de Stray é incrivelmente apelativo. Força-nos quase a simplemente desfrutar da vida em sociedade com os encantadores habitantes de cada hub. Para além disto, encontramos uma arquitectura ideal para o protagonista, pois não só se encontra repleta de cantos escondidos, como é exuberante na iluminação e decoração das ruas, sejam corredores recheados de néons e robôs à conversa, ou becos escuros graffitados. Talvez o ponto mais importante de Stray: a Bluetwelve não só se preocupou em tornar a viagem interessante, como também em manter o interesse após a conclusão da história.

Podemos saltar para cima de estantes e mandar livros ao chão, obliterar um jogo de Mahjong ou roçar-nos nas pernas dos vários andróides que se encontram pela cidade, isto claro, sempre acompanhado do excelente tacto que o Dualsense providencia. É incrivelmente fácil perdermo-nos em Stray, tal a imersão da experiência de encarnar um gato, quase à semelhança da facilidade com que largamos horas em Spider-Man apenas a passear pela cidade.
Atenção que não estamos isentos de ameaças. Ao longo da demanda somos surpreendidos por várias ameaças, falando maioritariamente dos Zurks, um grupo de seres que trabalha em grupo para devorar por completo qualquer alvo que encontrem, remetendo muito para os momentos de alta tensão em Plague Tale. É graças a estes inimigos caçarem em grandes números, que Stray subitamente se transforma num jogo de terror quando temos de passar por uma certa zona, e acreditem, vale imenso a pena.

Visualmente, como já referi, Stray é um deleite. Desde ruas repletas de néons a uma aldeia construída numa árvore, só faltou o tradicional nível na neve (com muita pena minha). Existem vistas para todos os gostos, e mais importante do que isto, todas elas estão recheadas de pequenos pormenores que fazem render o tempo que passamos a explorá-las.
Muito vistoso visualmente e o mais discreto possível na vertente sonora. Um murmuro aqui, outro rádio ligado numa esquina, e assim discretamente, o áudio em Stray é maioritariamente ruído de fundo. Discuto até que podíamos passar a história inteira sem diálogos e a experiência continuava a valer a pena.
Mais um AA na lista que tem vindo a deixar água na boca. Entre Kena, Solar Ash, Plague Tale, Greedfall, Rollerdrome ou até mesmo It Takes Two têm marcado o passo na criatividade da indústria, trazendo experiências em que poucas editoras teriam coragem de apostar. Stray segue esta mesma linha e crava o seu nome, elevando o padrão para o que vier a seguir.