Vou ser claro; sou um zero à esquerda em jogos de luta. Gostaram da sinceridade? Há mais: Não consigo decorar combos, fico a suar dos dedos, entro em pânico quando o combate está extremamente equilibrado a um ou dois golpes de ser decidido, e corro o risco de partir comandos devido ao meu temperamento bomba-relógio capaz de detonar a qualquer altura. No entanto, contra todas as hipóteses, aqui estou eu, com umas valentes horas em cima de um jogo surpreendente, e com algumas vitórias no cartel online que me fazem sentir o super-homem.
Tive contacto com Street Fighter pela primeira vez em casa de um amigo de infância que infelizmente já não se encontra entre nós, e ao qual dedico esta análise. Foi com Street Fighter Alpha 3 que senti o entusiasmo por um jogo de luta de forma competitiva. Éramos no máximo meia dúzia de amigos, num quarto pequeno com uma CRT carregada de desgaste, muito causado por nossa culpa. A premissa era simples; Dois comandos e quem perdesse rodava.
Anos passaram, e a vontade, e sobretudo a consistência de Alpha 3 nunca mais apareceram na minha vida. Cheguei a voltar a pegar na série na PS2, agora a solo, mas as memórias são tão vagas que não me recordo de quais dos títulos ao certo. Na sétima geração saltei por completo a saga, e na oitava experimentei Street Fighter V disponibilizado pela Playstation Plus. Fiquei deslumbrado com o que joguei, e sabia que Street Fighter 6 iria ser onde renasceria a minha vontade por um jogo de luta a sério, e foi assim que aconteceu.
World Tour, a fórmula refrescante
Deixa-me começar por dizer que Street Fighter 6 é a escolha certa para quem quer começar um jogo de luta a sério. Isto, porque além de funcionalidades de acessibilidade e nova introdução de controlos modernos que ajudam imenso os jogadores um pouco mais casuais e enferrujados no estilo como eu, ainda apresentam o modo World Tour, inédito na série, e que acaba essencialmente por ser uma longa e recompensadora formação enquanto lutador(a).
Bem ao estilo Yakuza dos seus colegas e conterrâneos Ryu Ga Gotoku, a Capcom decidiu arrojar e apresentar aqui um modo completamente novo, com uma história original e carregada de elementos RPG. Neste modo que funciona praticamente como uma campanha single-player na série, controlarás um avatar personalizado visualmente à tua medida se assim o entenderes, que procura rumar ao topo dos melhores lutadores do mundo.
Este modo é perfeito porque mesmo que não queiras seguir a longa bíblia de tutoriais, consegues ter aqui uma base onde facilmente te podes focar, aprendendo novas técnicas e habilidades nos teus golpes, tudo a teu tempo e ritmo.
A main quest do personagem que irás criar é simples, como seria de esperar; mas ali pelo meio irás ser apresentado a algumas missões secundárias no mínimo hilariantes, uma vez mais a fazer lembrar as estranhas e curiosas pessoas a vaguear pelas ruas de Kamurocho, na famosa série da Sega. Também podes esperar minijogos, easter eggs, e todas as carinhosas japonesices a que os estúdios orientais nos habituam quando apresentam um open-world com humanos operários e grandes metrópoles.
O topo da experiência deste modo acontece quando conheces alguns dos maiores lendários lutadores da saga, que após algumas simples tarefas e aumento na relação social, aceitarão treinar, e presentear-te com algumas das suas movimentações, estilo de luta e até acessórios. Com isto, podes mesclar hadoukens com sonic booms, e por aí vai… É uma diversão brincar com esta chuva de combinações, e ver que técnicas engraçadas consegues formar aqui.
Poesia de movimentos técnicos, aliado aos visuais cintilantes
Não é por acaso que Street Fighter sempre foi referência nos fighting games, e o padrão de excelência que se encontrava com a chama amena, acendeu de uma forma fugaz para a vertente competitiva da fanbase que idolatra este título da Capcom. Isto, porque Street Fighter 6 chegou extremamente equilibrado e com uma polidez extrema.
São 18 lutadores disponíveis com o jogo base, e cada um deles conta com sets incrivelmente amplos de movimentos e combos para desvendar e aperfeiçoar.
O sistema Drive é o grande destaque de toda esta dança sincronizada de pancadaria, e funciona um pouco como a stamina dos lutadores. Será através deste sistema que poderás usar movimentos como Parry para bloquear e contra-atacar de forma imediata, Rush, uma investida rápida que deixará o teu inimigo sem tempo de agir, ou até Impact, um ataque pesado que o deixará a ver estrelas, literalmente. Quando comparo este sistema à stamina, não é por acaso; é que se gastares todas estas barras, o teu personagem entra num estado vulnerável durante uns bons e terríveis segundos que podem fazer toda a diferença, e é algo que terás constantemente de controlar. É realmente simples de aprender, mas difícil de dominar.
Aliado à qualidade extrema da construção de todos os personagens, a experiência gráfica faz questão de acompanhar toda a experiência, lado a lado. Esta cópia foi jogada na Xbox Series S, e como é normal tem as suas limitações. No entanto, não deixa de ser um jogo belo, carregado de detalhes, visuais vibrantes e sem qualquer input delay capaz de comprometer a experiência, algo crucial para o género.
A RE Engine foi usada neste título, e continua a mostrar o porquê de ser a obra-prima da Capcom no que toca a programação. A transição de geração está ainda a ser feita apesar das novas consolas já terem chegado ao mercado em 2020, e este motor de jogo não tem qualquer problema em dar o salto e entregar-nos do melhor em tão pouco tempo. É sem dúvida das engines mais versáteis do mercado.
Modos de Jogo e Banda Sonora
Excluindo o World Tour deste tópico, Street Fighter 6 retorna com a velha forma old school do modo arcade, com os clássicos 5 ou mais estágios. O conceito é o mesmo, com algumas pequenas narrativas divertidas, e outras nem tanto; evitando entrar aqui no campo minado de spoilers. Nota-se também que algumas personagens rumaram a novas direções narrativas, e assim que jogarem, perceberão isso.
O modo training está mais aprimorado que nunca, e os tutoriais deste jogo são o guia perfeito que qualquer videojogo de luta devia seguir. A qualidade na explicação e os detalhes disponibilizados pela Capcom que contam os prós e contras de cada movimento é de louvar, e se até eu consegui chegar ao patamar mediano (que para mim é levar, mas levar bem menos do que o habitual), qualquer um consegue.
Também existe o Battle Hub, o local onde os mais aferroados e competitivos irão passar o seu tempo. Nesta gigante sala de arcade poderás conhecer novos jogadores, travar batalhas, e ver algumas das rivalidades mais intensas quase ao nível de um Porto – Benfica (incluindo os insultos) a acontecer diante de ti. Neste modo poderás usar os lutadores clássicos da série, ou o teu avatar. Criar uma crew, ou juntar-te a outra.
Mas nem só de lutas se vive no Battle Hub. Tens um DJ de serviço 24/7 à tua disponibilidade, uma Goods Shop para comprares acessórios e roupas para o teu avatar, e até aproveitar para tirar umas fotografias com algumas das maiores referências clássicas da série. Oportunidades não faltarão, quer seja para distribuir pancada ou fazer novas amizades. A escolha é tua; tua e de até mais 99 jogadores em simultâneo.
A banda sonora é composta por Yoshiya Terayama e Shigeyuki Kameda, e é composta por uma quantidade enorme de faixas. Cada vez que parto para mais uma sessão há sempre algum tema que ainda não havia experienciado. A base de Street Fighter 6 para a construção deste trabalho sonoro passa pela cultura do hip-hop, com instrumentais muito funky que se adequa extremamente bem à ambientação e localizações do jogo.