E quando eu pensava que não podia mais ficar surpreendido por uma nova obra de manga, a Editora Devir decide lançar o absolutamente mágico Sunny, de Taiyō Matsumoto. Este manga começou originalmente a ser publicado por capítulos na revista Monthly Ikki, desde dezembro de 2010 até setembro de 2014, na sua última publicação. Mais tarde, todos estes capítulos foram aglomerados em seis diferentes volumes, apesar de esta versão da Devir conter apenas três volumes, num estilo 2-em-1, que eu aprecio imenso, pessoalmente.
Estando habituado aos inúmeros volumes do estilo shōnen da Devir, quando reparei que iam lançar uma coleção tão influente num género mais “seinen“, não pude deixar de ficar interessado. Então, antes de entrar no “sumo” da análise, gostava primeiramente de mostrar o meu agrado com este primeiro volume, e sendo assim, mostrar o meu desejo por mais publicações deste género, não só da parte da editora Devir, mas neste país no geral, onde o manga e anime dito “mainstream” anda sempre à volta da típica “pancadaria” a que já nos habituámos. Infelizmente, acabamos muitas vezes por passar ao lado de estórias tão poderosas em termos filosóficos como esta, que vos apresento nesta análise.
Sunny começa logo de uma forma bastante interessante: não só nos apresenta um estilo artístico muito bonito, mostrado perfeitamente nas páginas iniciais coloridas, mas também começando logo por nos introduzir Haruo, uma das crianças da casa de acolhimento Hoshinoko. Haruo encontra-se primeiramente numa fuga de automóvel, que mais tarde nos é revelada apenas como um dos devaneios imaginativos das crianças que habitam aquela casa, que usam um carro antigo avariado, que apelidaram de Sunny, de forma a viverem episódios controlados apenas pelo poder da imaginação.
Ao longo deste primeiro volume, ser-nos-ão apresentadas as personagens restantes: os irmãos Junsuke e Shosuke, as raparigas Megumu e Kiko, Kenji, Taro, o tio Makio, adorado pelas crianças, e finalmente Sei, a nova criança que foi entregue ao cuidado de Adachi, um dos cuidadores da casa de acolhimento. Esta é uma história que não contém protagonistas, e em que cada uma das crianças tem a sua dose de aventuras e desventuras, apesar do final deste primeiro volume ser mais focado em Haruo, que aparece na capa desta edição.
Apesar de esta no início parecer uma história guiada a um público mais “infantil”, acaba por revelar-se não só uma viagem nostálgica às nossas infâncias, mas também uma obra um tanto filosófica, que nos faz questionar várias vezes sobre a nossa existência, ou sobre o nosso propósito de vida. Além disso, mostra uma visão sobre a dor de perder os pais, ou de ser abandonado pelos mesmos: de ser indesejado, no geral. Este é um sentimento que, felizmente, a maioria de nós nunca teve de passar, mas que contado desta forma, nos elucida sobre as relações humanas, sobre as razões do abandono, e sobre as variadas maneiras que as crianças lidam com esse problema: umas melhor, outras pior.
Temos ao longo da história os exemplos de Sei e de Haruo, que são constantemente lembrados que, apesar de os seus pais estarem vivos, são simplesmente indesejados, e que ambos são apenas um fardo para eles. No final deste volume temos Haruo, a questionar a sua mãe se ela sequer o deseja, e a única resposta que recebeu dela foi que “se ele continuasse a perguntar isso, ela ia-se embora”. Após esta resposta insatisfatória, não há forma de não sentirmos simpatia pela personagem, que nada de mal fez: apenas era algo que estava a mais na vida da sua mãe, e que ela não desejava.
Apesar de Sunny conter temas bastante pesados, temos o contraste com a arte do manga, cujo estilo está mais ou menos situado entre o realista e o fantástico. Isto porque esta arte não deixa de ser extremamente agradável, com um bom jogo de sombras e extremamente pormenorizada. Algo que adorei no estilo de Taiyō Matsumoto foi o realismo que ele dá aos olhos das personagens; é quase possível ver a profundidade dos pensamentos daquelas crianças apenas pela sombra criada na área à volta dos seus simples olhos, algo que nunca deixará de me impressionar.
Agora falando da edição da Devir… Não tenho nada de negativo a dizer. A acompanhar uma maravilhosa arte, tem que haver uma maravilhosa história, que está excelentemente traduzida neste volume, em português de Portugal. Sendo um volume 2-em-1, apresenta um excelente número de 426 páginas de excelente qualidade de impressão, envolvidas por uma capa mole, também de excelente qualidade. Este é um volume um tanto grande em termos de comprimento, comparado à maioria dos lançamentos da Devir, logo será uma obra que irá sempre bem em qualquer prateleira!
O primeiro volume de Sunny já está disponível no site da Editora Devir.