Viver num mundo onde os teus traumas possam ser esquecidos e os teus mais profundos desejos se possam realizar – é algo que te interessa? E se esse mundo fosse digital e vivesses num loop constante, na tua época de secundária – ainda seria algo do teu agrado?

Mobius, um mundo criado pela vocaloid μ (Mu), onde todos os que ali são transportados, vêem algum dos seus desejos ocultos realizados de forma a ultrapassar traumas que possuem no mundo real, vivendo, contudo, numa constante repetição de acontecimentos sem se aperceberem. 

Tu, o protagonista, começas a notar certas coisas estranhas, dando-te conta que estás preso num mundo fictício que imita a tua cidade. Juntamente com o Go-Home Club (outros membros que também se deram conta), vocês farão o possível por escapar… Bem, a não ser que TU tenhas outra opinião relativamente a este mundo.

A NIS America continua na sua caminhada em editar diversos jogos, que distribuiu anteriormente, agora para a PS5. Desta vez chega-nos The Caligula Effect: Overdose.

The Caligula Effect foi lançado originalmente em 2016 (em 2017 no ocidente) para a PSVita. Esta versão contou com alguns problemas como o seu baixo framerate, baixa resolução, problemas com a câmara do jogo e menus complicados que ocupavam grande parte do ecrã em combate. Mais tarde, em 2018, foi feito um remake do jogo, de nome The Caligula Effect: Overdose, para corrigir estes principais defeitos. Ora, é esta última versão que aqui te apresento, neste novo port para a PS5

The Caligula Effect é um jogo da companhia FuRyu, empresa que constantemente oferece jogos com um baixo valor de produção, mas cheios de alma e carisma. Será que este jogo segue a tónica dos seus anteriores trabalhos? E que diferenças existem desta versão PS5 com as anteriores? Fica a saber com a Squared Potato.

Vamos ler, sim?

História

A história de The Caligula Effect é bastante original e aprofunda no aspeto da psique humana, muito baseada nos traumas e ego que todos possuímos. O protagonista e os seus companheiros membros do Go-Home Club, ao aperceberem-se que estão presos num mundo virtual, com outras pessoas que ali também foram transportadas, criado e governado pela vocaloid Mu, começam a investigar e a fazer o possível para escapar.

Contudo, muitas dessas pessoas perderam a cabeça e agora são digitalheads (digiheads) que atacam aqueles que atentam em escapar. Para piorar ainda mais a situação, existe um grupo específico, denominado The Ostinato Musicians, que também têm a noção de estar num mundo virtual, mas que não querem voltar para o mundo real, já que aqui conseguem escapar dos seus traumas e viver uma vida realizando os seus sonhos, fazendo o possível para nos impedir, de forma a não estragarmos o balanço do mundo do Mobius.

Estes, juntamente a Mu, usam as suas músicas para conseguir “controlar” as massas. É graças a Aria, outra vocaloid amiga de Mu, que ganharemos o poder de nos transformar (Catharsis Effect) e lutar contra estes inimigos.

Destaque aos traumas e desejos humanos, na decisão de enfrentar-se a um mesmo ou não

A história foi escrita por Satomi Tadashi, que também escreveu a história de Persona 1, Persona 2 Innocent Sin e Persona 2 Eternal Punishment. Neste caso não estamos perante uma escrita tão impactante, apesar de também tratar de temas bem sérios.

Esta começa forte desde o primeiro momento e mantém um ritmo constante ao longo da aventura, mas que poderia ter apontado ainda mais alto e ter evitado alguns estereótipos. Os personagens principais são desenvolvidos tanto através da história principal como de uns poucos eventos secundários. Na história principal costuma haver certas masmorras onde cada um se desenvolve. Regra geral gostei bastante deles. Alguns que ao ínicio não gostei tanto, ao desenvolverem-se acabei por os apreciar mais e outros que gostava ao “conhecer” o seu verdadeiro ser, fez-me questionar ainda mais, como percebemos alguém e como ele é/atua na realidade.

Esta versão, Overdose, oferece uma nova rota, a dos Ostinato Musicians (“os vilões”) que se desbloqueia relativamente cedo no jogo e em que nos podemos juntar a este enigmático grupo, conhecer mais deles individualmente, com nova história, eventos secundários e finais. Também podemos escolher ser um personagem feminino nesta versão.

Jogabilidade

O jogo apresenta uma progressão ao estilo Dungeon Crawler, ou seja, estamos em constantes masmorras, por norma grandes e labirínticas, uma atrás da outra, sendo onde a história irá avançando, principalmente. Existe uma base principal (uma pequena sala) onde podemos sempre regressar e ter a opção de ver certos eventos secundários com os aliados. Aqueles que gostam de cenários diversificados e com muita exploração, aqui podem esquecer isso. Apesar de algumas temáticas interessantes todo os cenários usam muito o cópia e pega.

Sistema de combate ágil, estratégico e divertido

O sistema de combate é espetacular e do mais original e divertido que joguei em muito tempo. Temos até 4 personagens em combate. O combate é por turnos, com elementos em tempo real quando executam as ordens. 

Todo o sistema de combate assenta-se na chamada Imaginary Chain. Em cada turno do personagem temos 3 ações a realizar. Ao escolher cada ação este Imaginary Chain mostra qual será o resultado desta escolha e podemos decidir se prosseguir ou voltar a escolher outra ação. Ora a grande diversão e estratégia vem de conseguir que os nossos quatro personagens colaborem e consigam juntar aqueles ataques e todo o tipo de ações para realizar diversos combos, inclusive serem capazes de cancelar ações dos inimigos.

Temos ataques que apenas afetam inimigos que foram atirados ao ar e outros que apenas aos que estão no chão. Em resumo, com um personagem podemos tentar cancelar a ação do inimigo e atirá-lo ao ar, com outro podemos fazer ataques especiais que afetem quem foi lançado e, logo de seguida, com outro personagem um ataque que afete aqueles que estejam no chão. 

Agora, é preciso ter cuidado já que se o nosso ataque falhar (este Imaginary Chain não considera a pontuação de accuracy) ou se o momento não for o correto, os restantes ataques dos companheiros poderão não ter qualquer efeito. O mesmo acontece caso acabemos com algum inimigo e os aliados tenham sido ordenados atacar esse mesmo inimigo, fazendo com que o seu ataque falhe (exceto se outro inimigo estiver na linha de fogo). A Imaginary Chain permite ainda adiar  o uso das ações que escolhemos de forma a ajustarmos o timing aos nossos companheiros e/ou inimigos. 

Não só temos ações de ataque, também existem aquelas para fortalecer o personagem, recuperar vida, criar uma barreira temporal para impedir ataque, poder movimentar-se pelo cenário, etc. Poderemos aprender mais ao gastar os Skill points. Incluso temos um ataque final que podemos escolher usar ao encher a sua respetiva barra. Uma infinidade de estratégias à nossa disposição.

Ao atacar o rival antes de iniciar o combate faz-nos obter uma vantagem, começando este com a barra de risk quase cheia. Este risk permite interronper a ação do inimigo e afligir maiores danos quando a barra se enche totalmente.

Não é fácil de entender e explicar por palavras, mas acreditem é muito ágil, cheio de possibilidades e divertido, isso sim, não recomendo jogar na dificuldade normal já que o jogo fica muito fácil e mal conseguirão usar as possibilidades do sistema de batalha. Eu joguei em difícil e achei relativamente fácil, no geral. Existe dificuldade acima do nível difícil e abaixo do normal.

O típico sistema de equipamento de armaduras, acessórios, entre outros, é substituído pelo equipamento de “restos” de emoções que fortalecerão certas características dos personagens ao serem equipadas. Não apreciei este método uma vez que ganhamos constantemente novos restos e a sua organização no menu deixa algo a desejar.

O jogo possui um sistema (Causality Link) que permite recrutar cerca de 500 estudantes de personagens “não controláveis” (NPCs) para se juntarem à equipa. Existe uma árvore de relações que permitem ver cada um destes estudantes, quais os seus medos, com quem se relacionam e o que temos que falar antes para poder iniciar uma conversa com eles e, futuramente, juntá-los à equipa. Este sistema parece interessante ao início, mas cai, logo nos primeiros minutos, numa grande repetição.
Além deste sistema de NPCs, em termos de objetivos secundários, poderão falar com os aliados e ver mais sobre eles em certas cenas pessoais e a possibilidade de lutar contra alguns inimigos bem fortes espalhados nas masmorras, além de recolher certas coisas.

Além da melhoria ao nível de história, esta versão Overdose apresenta também melhorias a nível jogável. Temos um sistema de menus, especialmente os de combate, bem mais simples e fáceis de perceber, sem ocupar grande parte do ecrã e certos ajustes no combate. Outra dos pontos melhorados desta versão é que agora os combates têm lugar numa “arena” especial, como noutra dimensão da mente, em vez de no próprio mundo, o que possibilitou uma melhor visualização do combate em si, o evitar ter a câmara presa em paredes e reduziu a dificuldade em ver aliados ou inimigos ao eliminar obstáculos do mapa.

Visuais 

Vou direto ao ponto, a nível gráfico o jogo deixa muito a desejar ao ter em conta as capacidades da PS5, não havendo quaisquer melhoria a nível visual ou de framerate em comparação com a sua versão da PS4, que já de si não brilhava em demasia na plataforma. Aqui foi uma oportunidade perdida para tentar adicionar novos detalhes, aumentar o framerate e resolução.

Os cenários são relativamente pouco detalhados e seguem a tónica de muitos Dungeon Crawler, em que os cenários se vão repetindo ao longo da mazmorra. Os modelos dos personagens em 3D também não se destacam em detalhes e ainda menos em animações, apontando o não ter movimento labial/face enquanto o personagem está a falar. Em combate, sim, existem boas animações que dão lugar a uma experiência gratificante, visualmente.

A variedade de modelos dos mais de 500 estudantes é insignificante, sendo quase todos cópias uns dos outros (mesmo na parte das descrições), tendo apenas o nome para os diferenciarmos. 

Agora se a parte técnica desilude bastante, a parte artística é digna de ver. A arte dos personagens não só tem grande qualidade como uns tons mais escuros (mais acinzentados) possuindo sempre algum elemento nos desenhos, com uma tonalidade mais oposta, dando lugar a uma arte que me apaixonou desde o 1.º minuto e que se destacam de jogos semelhantes neste género, normalmente super coloridos. Uma grande pena não terem conseguido representar a genialidade da arte nos modelados. Os cenários apresentam uma apresentação intrigante.

Em certas cenas, muito específicas, contaremos com cenas de anime, que apesar de não serem de enorme qualidade, transmitem perfeitamente o conteúdo desejado, sendo um salto enorme em comparação com os visuais normais. Nas entradas das masmorras contaremos com um estilo visual de cenários pré-renderizados, que se destacam dos restantes.

Apesar do budget limitado, há sempre espaço para uma cena anime nos banhos

Som

Este é outro ponto de destaque. As músicas do jogo são variadas e interessantes. As que mais se destacam são as usadas nas masmorras que exploramos. Estas músicas são inspiradas por cada canção composta pelos membros dos Ostinato Musicians (os supostos inimigos), juntamente a Mu. Ao explorarmos a música não conta com voz, mas ao entrarmos em combate a voz entra e permanece enquanto nele estamos. Estas músicas têm o objetivo de transmitir os traumas/desejos de cada um dos membros destes Musicians e têm muita força e “sentimento” (graças ao uso da voz de vocaloid da Mu).

Música de qualidade e quantidade, ainda que com certa repetição

Ao defrontar o chefe de cada zona, a música ganha uma nova remistura, ainda mais intensa, enquanto o defrontamos. Admito que, apesar de entender o motivo, fico com pena de as músicas apenas estarem em japonês, sem haver alguma opção de subtítulos se assim o desejássemos, já que, como disse, representam a personalidade e/ou trauma desse Musician e ao entender a letra enquanto percorremos a masmorra, dá-nos logo outra perspetiva.
Cada masmorra pode levar umas poucas horas para acabar e todo o momento que a estivermos a investigar será com o tema de fundo (à exceção de certos momentos quando está a ser contada a história principal), o que poderá levar a alguma repetição.
Tendo em conta a quantidade e qualidade de músicas no jogo, este ponto poderia ter sido tratado de outra forma, mas no geral é uma banda sonora diferente e um destaque dentro do género.

Os efeitos de som em combate estão aceitáveis, dependendo do tipo de arma ouve-se o som associado. Algo que me custou foi não se ouvir o som das pisadas dos personagens.

As vozes estão em japonês, continuando a não haver opção em inglês. No geral possuem uma boa qualidade, havendo um ou outro momento em que o típico exagero destas dobragens é evidenciado. O jogo possui alguns bugs nas vozes que em uma ou outra cena espaçadas, não se chegam a ouvir.

É The Caligula Effect: Overdose uma festa digna do vosso tempo?
CONCLUSÃO
Original
7
Bruno Cavaco
Grande apaixonado pelo mundo dos videojogos, destacando a sua predileção por RPGs e jogos japoneses no geral. Licenciado em Gestão de Marketing, continua a planear o caminho que deve seguir. Um fã da Eurovisão dos pés à cabeça.
the-caligula-effect-overdose-ps5-analiseThe Caligula Effect: Overdose é um jogo de altos e baixos, muito dentro do que a Furyu nos habituou, contando com o seu toque característico de originalidade. O seu sistema de combate, arte e banda sonora são, sem dúvida, os seus pontos de destaque. Por outro lado, o seu desfasado aspeto técnico, incluindo animações muito pobres durante os diálogos e a natureza repetitiva do jogo em si, pode afastar mais de um. Considero ser um jogo que merece ser descoberto pelos seguidores dos (J)RPG e aqueles que queiram uma história mais focada na psique humana. E esta versão da Playstation 5, merece a pena? Se já tiverem jogado na PS4/PC e, inclusive, Switch, a minha resposta é não. As melhorias são inexistentes para o poder justificar. Se nunca jogaram o jogo ou apenas o fizeram na sua versão original da PSVita então sim, esta PS5 merece a pena. Numa nota à parte, apesar de achar que a Nis America deveria potenciar estes ports a nível visual, já fico agradecido por voltarem a disponibilizar estes jogos em formato físico, tendo em conta o rápido que ficam indisponíveis, neste formato, nas diversas plataformas.