Longínqua é a memória de estar a ver Curto Circuito na SIC Radical e o Diogo Valsassina apresentar um jogo (na altura a ser lançado na PS3 e Xbox 360) chamado Dead Space. Detalhes como a vida se encontrar na parte de trás do fato e podermos desmembrar inimigos deixaram o público boquiaberto, culminando com um lançamento extremamente bem sucedido deste videojogo de culto que contou com uma trilogia. Após invenções nas sequelas, mais concretamente na 3ª iteração, Dead Space perdeu parte do prestígio, levando a que a Electronic Arts deixasse a saga a acumular pó.
Dado ser um estilo de jogo muito específico (cenário espacial em 3ª pessoa), notaram-se inspirações de algumas vertentes mas nunca no estilo de P.T., que só por si influenciou toda uma geração de jogos de terror. Não obstante, o legado manteve-se e, parece que foi precisa muita chuva mas a árvore já dá frutos. Para além do remake do próprio Dead Space e Fort Solis, surge ainda o novo título de Glen Schofield, o criador de Dead Space, falo pois do destaque de hoje: Callisto Protocol.
Narrativa
O pano desvenda-nos em 2320, numa nave que transporta carregamentos. Jacob Lee e Max preparam-se para o pagamento que os deixará confortáveis para o resto das suas vidas, até que somos abordados pelos Outer Way, rebeldes que nos tentam usurpar dos itens de valor a bordo. Entre socos e pontapés sucede-se um desastre e vemo-nos a cair para Callisto, uma lua, onde somos detidos assim que aterramos. Sem qualquer justificação somos atirados para uma prisão de segurança máxima, onde (in)felizmente temos uma estadia curta. Sim, saímos em liberdade, mas ao mesmo tempo, boa parte dos reclusos transformou-se subitamente em monstros.
A partir daqui somos guiados para a tentativa de fuga da prisão, tendo de enfrentar os corredores repletos de esquinas mortíferas.
Ao estilo de Dead Space, a história mantém-se consistente e com intriga suficiente para nos manter curiosos. A estadia não se prolonga, tendo a campanha cerca de 10 horas no total. Achei que o fim tivesse chegado de forma abrupta, e embora perceba que os jogos de terror não se devem prolongar demasiado para manter a fórmula fresca, creio que podiam ter atado mais umas pontas soltas. Denota-se no entanto um cuidado especial no que toca ao espaço deixado para exploração tanto da história como do mundo no que toca a conteúdo adicional.

Mundo
Embora existam caminhos alternativos que nos desviam ligeiramente do rumo, a maior parte de Callisto Protocol é uma viagem linear. Desprovidos da preocupação de desenhar um complexo gigante, os espaços confinados encontram-se preenchidos com uma quantidade notável de detalhe. Cada parede, ecrã ou porta têm a sua história, fora as que nos são contadas através de audiologs.
Luzes disfuncionais e vapor andam de mão dada em corredores apertados onde a Striking Distance nos induz num estado de constante paranóia com ruídos de fundo, chegando ao ponto em que pensamos ver alguma coisa, mas já nos tentamos mentalizar que é só barulho. Embora a prisão se sinta claustrofóbica e ajude ao pavor, as outras áreas não são pêra doce, pois todo e qualquer espaço em Callisto serve para nos deixar com os nervos à flor da pele.
A fórmula para criar o susto funciona inicialmente, mas repete-se vezes a mais da mesma forma, o que torna o jogo um pouco previsível mais para o fim.
Algo que parece ter passado despercebido na verificação de qualidade é a inconsistência de checkpoints. Ao entrarmos numa sala com um terminal de melhoria de armas, é perfeitamente normal que entremos num debate mental sobre onde devemos gastar os nossos merecidos créditos. Ao mesmo tempo, é de esperar que a Striking Distance reconheça o nosso esforço e grave o progresso quando saímos do terminal… Não.
Ao sair para o corredor e ver a minha cabeça arrancada à dentada, volto à sala sem as melhorias.

Combate
The Callisto Protocol, embora muito similar a Dead Space, distancia-se principalmente através do seu foco no combate corpo-a-corpo.
Existem dois itens chave que iremos usar para derrotar os inimigos. O primeiro é um bastão atordoante, e o segundo é o GRP: uma espécie de luva com que os podemos fazer voar. O GRP é alimentado por baterias que podem ser encontradas pelos cantos, e desde que as tenhamos no inventário, Jacob recarrega assim que uma se acaba.
O GRP é um excelente assistente que deve ser mais utilizado para criar distância do que para lutar. Sim, podemos enviar inimigos a voar para paredes cobertas de picos, ou transformar mecanismos que os esmaguem num instante, mas o importante é sabermos racionar o seu uso, e garantir que é um recurso de última instância.
Embora vamos apanhando algum poder de fogo durante a fuga, não há munições suficientes para podermos sair aos disparos, o que nos leva a praticar os dodges e pancadaria física, especialmente nas fases iniciais do jogo.
Quando somos atacados pelos monstros, podemos alternar entre a esquerda e a direita no analógico esquerdo para nos desviarmos, podendo ainda puxar o analógico para trás para nos colocar numa posição defensiva. Se nos desviarmos com sucesso, podemos executar uma combinação de ataques ou um ataque “pesado” que pode mandar os inimigos para trás.
As armas são poucas, mas eficazes, sendo a pontaria essencial à sobrevivência. Uma mecânica que parece ter sido feita à queima-roupa (pun intended), é a de disparo rápido, que podemos realizar depois de uma retícula aparecer no ecrã a meio do combate corpo-a-corpo. Consiste basicamente num disparo rápido que visa uma parte crítica do corpo de um inimigo.
Ao finalmente derrubarmos os monstros, podemos (e devemos) pisá-los, de forma a extrair quaisquer recursos que estes tenham.
As falhas no combate surgem quando temos múltiplos inimigos pela frente, tornando a proximidade mais inconveniente do que imersiva. No entanto, não deixo de achar que a ferocidade do combate de Callisto Protocol, aliada à colocação da câmara, criam uma sensação única nas várias lutas pela sobrevivência.

Acessibilidade
The Callisto Protocol vem munido de várias opções com a acessibilidade em mente, desde High Contrast, a personalização das legendas ou da UI, a Striking Distance não se desleixou, tornando o jogo ainda mais fácil através das várias opções de personalização do combate:
- Auto Aim – a mira aponta automaticamente para os inimigos;
- Auto Dodge – os dodges são executados automaticamente;
- Melee Assist – Jacob realiza ataques seguidos automaticamente, precisando nós de apenas manter premido o botão;
- Button Hold Assist – em vez de mantermos premido um botão, apenas precisamos de o premir uma única vez;
- QTE Single Press – os QTEs serão completados com um único toque no botão ao invés de batermos nos botões;
- QTE Autocomplete – a minha favorita. Não há QTEs para ninguém, é tudo feito automaticamente e nós só temos de nos regozijar com os espólios.
Felizmente a acessibilidade é cada vez mais levada a sério, não só abrindo portas a novos jogadores como também facilitando a vida de muitos.

Audiovisual
Não se pouparam pormenores, tanto a nível visual como sonoro.
Desde Jacob a Nakamura, os modelos estão excepcionalmente bem retratados. Não só captam a essência humana, como captam exactamente o contrário: morte. Morte em cada canto ou parede, tudo se encontra brilhantemente em decomposição. O combate apenas fortalece o quadro expressionista de cores, espalhando sangue por todos os recantos.
The Callisto Protocol é sem sombra de dúvidas um dos jogos mais impressionantes visualmente desta geração.
O foco está claramente no design sonoro. Sejam toques suaves de algo à espreita, ecos da nave, ou grunhidos e gemidos nojentos dos moribundos ou recém-infectados, somos repetidamente lembrados das constantes das ameaças que se mantêm sempre por perto.
Seja em 4K ou em 60fps, qualquer uma das maneiras é perfeitamente legítima para jogar esta experiência aterradora.

Breviário
The Callisto Protocol mostrou-se bastante promissor, e certamente cumpre em várias vertentes, mas o mais frustrante de chegar aos créditos, é saber o quão excelente podia ter sido, mas deixou-se escorregar em percalços tão simples de corrigir. O essencial de uma boa experiência de terror está presente, mas ainda precisa de afinamento para poder bater à porta dos titãs.
Agradecemos à Ecoplay pela chave cedida para análise.