A Supermassive Games abriu mais uma vez as portas do seu estúdio de Guildford, casa dos thrillers e horror, para nos apresentar o seu mais recente jogo da Antologia Dark Pictures: The Devil in Me.

Se já estiveres familiarizado(a) com os títulos mais recentes, quer seja da trilogia, ou do próprio estúdio, The Devil in Me não te irá apresentar grandes novidades. Este quarto jogo da antologia segue o padrão de história interactiva dos seus antecessores, com poucas novidades no quesito jogabilidade, mas com uma história original e independente da série (como é habitual), e personagens completamente inéditos na franquia.

H. H. Holmes e o seu legado

The Devil in Me quebra o espécime do sobrenatural que vem acompanhando a saga ao longo destes anos, e desta vez foca-se numa premissa menos espiritual, e bem mais macabra. O pano de fundo temático que fez este jogo ganhar vida, deu-se da existência do primeiro assassino em série conhecido nos Estados Unidos. Herman Webster Mudgett, ou Henry Howard Holmes, foi um lunático que confessou a morte de 27 pessoas, ainda que apenas nove tenham sido realmente confirmadas. Este foi um dos casos mais impactantes dos Estados Unidos durante o século XIX, não só pela frieza do sujeito e explicitude dos seus actos, mas porque o mesmo possuía um edifício conhecido por ‘Hotel da Feira Nacional’, um local extremamente bem elaborado onde realizava os seus hediondos crimes.

Após uma pequena apresentação de H.H.Holmes e da sua demonstração de crueldade durante os anos em que viveu, o jogo avança para os dias actuais, com a mesma correnteza narrativa dos anteriores, e cá vamos nós; navegando por um grupo de 5 pessoas com personalidades diferentes, em busca de um objectivo fútil e cliché; com extremo risco de morte.

Este grupo trabalha na criação de documentários, e é nesse cenário que recebem uma ligação misteriosa que os convida para filmar e elaborar um trabalho sobre uma réplica moderna do hotel do serial killer que mencionei anteriormente. Sem questionar muito a chamada anónima e a motivação para tal, lá têm a ideia brilhante de ir até ao local. O resto, já consegues adivinhar… jumpscares e chacina.

Apatia e Previsibilidade

Um jogo singularmente focado na sua narrativa e construção de personagens pode ser muito desafiante para os desenvolvedores, uma vez que a ausência de outros factores como uma jogabilidade sólida que possa fazer esquecer algumas lacunas dos acontecimentos narrados do jogo, é completamente inexistente, e The Devil in Me é o exemplo disso.

Das 5 personalidades que podemos controlar durante as aproximadas 6 horas de jogo, tudo o que temos são os egos estereotipados típicos de filmes slasher dos anos 90, sempre com doses de apatia e indiferença. Os personagens, por muito que sejam bem representados pelos seus actores, não são de todo bem elaborados e com um background capaz de nos fazer afeiçoar emocionalmente.

Não fui o único sentir-me apático durante a experiência; todos os personagens acompanharam-me nesta arte da inércia. Pensa em The Devil in Me como um filme de baixo orçamento, com uma escrita dúbia e desconectada do pretendido. Uma das suas maiores falhas narrativas contém um grande spoiler, e, portanto não quero alongar-me mais aqui, mas, para exemplificar uma dessas lacunas, dou-te um exemplo de um dos personagens com vertigens, e esse pequeno gatilho é despoletado após pisar uma ponte de madeira visivelmente segura. No entanto, dois capítulos antes, o jogo obriga-nos a passar com essa personagem por alturas bem mais altas, e locais efectivamente mais perigosos, inclusive atravessar um tronco de árvore na base do equilíbrio; e o personagem faz isso como se nada fosse, sem qualquer medo.

É normal que deixes morrer algum personagem pelo meio da jornada, e algo que me vem atormentando já desde os jogos passados e que continua bem presente neste, é a falta de emoção dos restantes protagonistas pela perda dos seus colegas e amigos. É como se em minutos tudo fosse esquecido, isto, porque esta antologia usa o mesmo plano de jogabilidade para ambas as ocasiões, e a morte não passa apenas de um fragmento daquela cinemática em questão. Com isto, os personagens ficam mais scriptados e previsíveis que nunca, e com um factor de repetição bem menos apelativo, algo que se agrava mais com a longevidade do jogo. São aproximadamente 6 horas, mas cerca de metade é praticamente desprovido de acção.

Deixo mais uma vez uma nota positiva para o curador, o personagem mais secundário de tempo de ecrã, e ainda assim, o mais brilhante desta franquia. Cada pequena e peculiar sessão que temos com ele, resulta sempre de um pequeno arrepio na espinha, e são as suas palavras que nos fazem sentir recompensados por algumas decisões que cometemos ao longo do jogo.

Jogabilidade e a suas novidades

Mesmo não fugindo muito do padrão de Dark Pictures Anthology, The Devil in Me apresenta alguns novos segmentos de jogabilidade. A novidade mais sonante é a presença de um mini-inventário. Cada personagem carrega uma fonte de iluminação como isqueiros e lanternas, e os outros itens são literalmente ferramentas de progressão, como chaves ou cartões para forçar aberturas de gavetas e portas. Algo simples, mas uma lufada de ar fresco que a série precisava.

Agora, as tuas personagens poderão rastejar sob objetos, equilibrarem-se nas áreas curtas de espaço em alturas significativas, e nota-se uma maior fluidez de movimentação. A contradição desta nova fluidez é a limitação que o jogo te impõe constantemente, já que 80% dele é passado em áreas claustrofóbicas e com pouco espaço de manobra.

A implementação e melhoramento de alguns quebra-cabeças foram muito bem-vindos, são simples, com intuito de não quebrar o ritmo de jogo que por si só já é bastante lento e metódico, mas gratificantes. Os QTEs trazem a experiência clássica da série, e dá um gozo tremendo quando acertamos uma sucessão de botões e verificamos os personagens a responder de maneira perfeita. Alguns minijogos como o desafio da respiração tornou-se mais desafiante; tive duas falhas cruciais que pensei que fosse custar a vida do personagem, mas pelas duas vezes consegui sair ileso da situação.

Expoente máximo visual da série

The Devil in Me é o jogo da Dark Pictures Anthology mais belo e detalhado no que toca a gráficos e ambientação. A iluminação a contrastar com as pequenas partículas como o pó que assola os cantos mais velhos do hotel, são de uma qualidade tremenda, algo essencial para ajudar a entrar no clima rusty da ambientação do jogo.

As texturas de cada divisão do hotel são trabalhadas ao pormenor, com detalhes em cada espaço visitado. As capturas de movimento dos actores estão realistas e bastante fluídas, fazendo jus à própria construção visual de cada um dos personagens. Por vezes as texturas dão uma pequena quebra de carregamento, mas é algo que não irá de todo comprometer a experiência.

Como sempre, a experiência sonora que vem a acompanhar esta franquia ao longo dos anos, continua a entregar o seu melhor. Tanto em faixas musicais, como nos efeitos sonoros, The Devil in Me continua a representar o bom nome do trabalho da Guildford. Dizem os peritos que para um bom filme de terror funcionar, a componente de áudio tem que estar no topo das suas capacidades, e o mesmo vale para este estilo, e neste quesito; Dark Pictures Anthology acerta em cheio, novamente.

The Devil in Me é um título completamente optimizado para a nova geração, e mesmo que adquiras a versão PS4/Xbox One, poderás actualizar mais tarde para as versões PS5 e Xbox Series, de forma gratuita.

A equipa Squared Potato agradece a chave do jogo para Xbox Series, gentilmente cedida pela Bandai Namco.
CONCLUSÃO
Medíocre
5
Igor Gonçalves
Curioso, explorador, e fã de videojogos desde que me lembro, e em especial pela saga Metal Gear. Não jogo plataformas, jogo jogos.
the-dark-pictures-anthology-the-devil-in-me-analiseThe Devil in Me encerra a primeira temporada da Dark Pictures Anthology de uma maneira agridoce. Se por um lado temos uma boa ambientação e a construção de um tema promissor à partida, os graves problemas de ritmo e algumas incongruências durante a narrativa fazem a experiência perder muito do seu encanto.