Enquanto consumidor de videojogos, ainda não existiu nada tão impactante capaz de me conseguir entregar a carga emocional e tão devastadora como a jornada de Joel e Ellie. Assumo-me culpado na demanda, e a Naughty Dog conhece-me bem, a mim e à enorme legião de fãs de Last of Us, os grandes responsáveis por fazer desta obra o Santo Graal dos videojogos narrativos.

Conhecemos o poder total de um videojogo quando o apresentamos a amigos e familiares desapegados deste entretenimento, e desde muito cedo os conseguimos cativar a pedirem por mais. The Last of Us, lá em 2013, teve essa capacidade, e sinto-me responsável por fazer dos muitos que me rodeiam, alguns dos mais apaixonados fãs da franquia.

Com a chegada de “sangue novo” às plataformas Playstation e a combinar com a futura série baseada e com o mesmo nome do jogo, a Naughty Dog decidiu entregar o que segundo eles é: a oportunidade perfeita de começar a jogar a experiência definitiva da primeira parte desta saga. Mas e os fãs que já conhecem a obra original? Será que vão sentir uma diferença tão nítida? Existirão muitas novidades? É isto que irei tentar explicar ao longo desta análise.

Uma jornada sem igual

A narrativa de Last of Us Part I (como agora é intitulado) continua intacta como tão bem a conhecemos, e não conseguiria pensar em qualquer outra abordagem da Naughty Dog que alterasse a estrutura deste remake. Já desde 2013 que Last of Us é, para mim, a epítome de tudo o que um jogo perfeito pode ser, no que respeita a contar-nos uma história estruturada do início ao fim.

Minutos após iniciar este remake, todos os sentimentos que vivenciei pela primeira vez voltaram como lembranças bem vivas e recentes, e lá fui eu, uma vez mais embalado, a entregar-me por completo à imersão rítmica da trama, mesmo já sabendo que muito brevemente voltaria a ter o meu coração arrancado do peito, temperado com agridoce, e lá o teria que voltar a comer no final das estimadas 10 horas de jogo.

Estes constantes “murros no estômago” narrativos são literalmente o ADN Last of Us, complementados com uma estrutura rica e completa de desenvolvimento de personagens. Neil Druckman tem um estilo de escrita muito intensa, e sabe bem o que precisa de fazer para mexer com o jogador. Quase 10 anos depois, ainda me entristece passar por aquelas habitações agora abandonadas e dominadas pela natureza, e ler cada uma das anotações deixadas por quem vivenciou a mutação do fungo cordyceps da maneira mais agressiva e desesperante. É surpreendentemente comum, para mim que não sou um grande atento aos detalhes, explorar ao máximo para apreciar cada bocadinho de história daquelas ruínas, — e imaginar um pouco de mim, e o que faria no lugar daquelas pobres criaturas —, e isto acontece apenas num punhado de jogos.

Visualmente imparável

Muito culpa do primor detalhista que a Naughty Dog nos habituou com as suas criações nas consolas Playstation há mais de 20 anos, perguntei-me diversas vezes se este remake seria assim tão necessário, e o porquê de ser um dos projectos chave da Naughty Dog, mas sobretudo, se o valor cobrado seria justo. The Last of Us não é propriamente um jogo raro e de difícil alcance, e mesmo a sua versão original de 2013 consegue derrubar grandes lançamentos de hoje, até em termos visuais. A meu ver, seria preciso um refinamento extremo para fazer valer o tão famoso full price de 79.99€ aplicado na Europa.

A Naughty Dog prometera uma experiência completamente adaptada e cheia de detalhes exclusivos que só a PS5 conseguiria entregar, e em termos técnicos, essa evolução é notória desde os primeiros segundos de jogo, quer optes por jogar no modo fidelidade, isto é, 4K nativo e 30fps (com alvo de 40fps), ou desempenho com 4k dinâmico com 60fps. A atmosfera visual com o nível de detalhe máximo sempre foi uma peculiaridade no universo de Last of Us, e tudo ficou ainda mais sublime com uma direção de arte nova e iluminação renovada, carregada de fidedignidade nos cenários americanos por onde toda a jornada decorre, incluíndo no pequeno DLC que conta um pouco mais do passado de Ellie com os fireflies.

Os espaços estão agora muito mais vivos e abundantes em profundidade, e serão prontamente identificáveis elementos como pequenos insectos na escala de visão dos personagens que jamais conseguirias ver em outras versões. O que já era brilhantemente bem executado, torna-se agora quase palpável, particularmente naqueles ambientes claustrofóbicos dos esgotos carregados de partículas, como esporos difundidos pelo ar, ou poeiras resultantes da estagnação do tempo.

As munições disparadas causam muito mais estragos visuais, quer seja em contacto com a atmosfera e objectos, quer seja em matéria humana. Tudo isto é auxiliado pelo Dualsense, o qual carrega uma dose de imersão extra com feedback háptico e gatilhos adaptativos que respondem de forma quase perfeita a tudo: desde a sensação da chuva ou terrenos mais fatigantes, mas especialmente a cada uma das armas presentes no jogo.

As expressões faciais chegaram ao mesmo nível das que estão presentes em Last of Us Part II, e agora conseguirás sentir os mais ínfimos detalhes nos pequenos gestos e manifestações de afecto. O melhor desta reconstrução completa das personagens, é a sua execução em tempo real, o que significa que agora as cinemáticas não têm mais aquele corte habitual de fim de cena, e as transições são muito mais rápidas e suaves. Também permite uma exposição mais detalhada dos personagens, portanto, equipa bem o teu Joel com as armas nos coldres certos, pois tudo será visto e apreciado durante as cinemáticas. Não só os personagens principais com mais relevância na narrativa tiveram este capricho, mas igualmente existem muitos NPC’s com este tratamento especial de selo qualidade Naughty Dog que tão bem conhecemos.

Imensas animações foram muito bem aproveitadas da segunda parte da saga. Um dos meus detalhes favoritos que transitou para este remake é o famoso workbench e as suas famosas modificações. Continua a ser exageradamente bom verificar em tempo real todas as modificações aplicadas às armas. Definitivamente este é o meu momento ASMR favorito da história dos videojogos.

Um pequeno detalhe mas que faz toda a diferença na experiência: Se tiveres chance, o que acredito definitivamente que sim, faz uso do Audio 3D que a Playstation 5 te oferece para este título. Tudo é sentido de outra forma, sempre bem mais intensa. Constantemente dava por mim com a sensação de me encontrar naquele local, tais são as “posições sonoras”. The Last of Us Part I tem um Audio 3D tão bem implementado que é possível discernir facilmente a distância e posição exacta dos clickers, runners ou humanos, sem precisar dar uso a factores adicionais.

Mas e a jogabilidade?

De forma clara e com poucos parágrafos, não existem quaisquer diferenças significativas na jogabilidade deste remake comparado à versão original, e isso é ainda mais amargo depois de ter ficado tão mal habituado com a subtileza da perfeição que é a jogabilidade de Last of Us Part II.

Com a presença de tanta vegetação resultante desta reconstrução de cenários, questiono-me porque a Naughty Dog não quis incluir aqui dois dos elementos que mais gostei na segunda parte da saga: a habilidade de rastejar, e a mecânica de esquiva. Não vejo como isto iria afectar o gaming design, e seriam dois elementos relativamente simples que fariam toda a diferença e trariam mais profundidade ao jogo.

A Naughty Dog prometeu uma IA mais desafiadora e com abordagens bem mais elaboradas pelos inimigos, mas nada que a dificuldade grounded do jogo original já não tenha feito. Já finalizei Last of Us uma meia duzia de vezes e em momento algum senti uma diferença na inteligência artificial inimiga. Já com os nossos aliados, aí consegue-se sim, verificar de forma notória como se comportam ao saberem que estão prestes a serem avistados pelos inimigos, desviando-se para os lugares certos de modo a não entrarem no seu grau de visibilidade, algo que não acontecia na obra original e que nos entrega uma sensação bem mais realista.

O modo factions foi removido deste remake, e apesar de gostar muito dessa componente online do jogo, consigo compreender a decisão da Naughty Dog, que já nos garantiu um novo “The Last of Us Factions” para 2023, que espero ansiosamente por jogar.

The Last of Us para TODOS!

As questões de acessibilidade nos videojogos estão cada vez mais presentes, e deixa-me contente saber que as desenvolvedoras não se têm esquecido destas implementações nos seus jogos, especialmente a Naughty Dog, que se tem comprometido nos últimos anos em deixar seus jogos mais acessíveis para todos os públicos.

The Last of Us Part I é um jogo para todos, literalmente! A experiência será acessível para jogadores invisuais, com problemas de surdez ou com incapacidade motora. Agora, existem descrições narrativas das cinemáticas e da jogabilidade, sistemas de navegação através de assistência, acessibilidade visuais como o modo de alto contraste, mapeamento dos controlos, acessibilidades motoras, e o tão requisitado Enhanced Listen Mode de Last of Us Part II que está de volta.

Para os amantes de fotografia, ficarão contentes em saber que um novo sistema de iluminação foi agora implementado, e permitirá imensas possibilidades de combinações para explorar durante a jornada da costa este à costa oeste dos Estados Unidos. Ainda não se encontra ao nível da Insomniac com os seus “estúdios fotográficos virtuais”, mas estamos no bom caminho.

Precisas de um desafio extra?

Se as dificuldades mais elevadas não te chegam e precisas daquele desafio extra para apimentar um bocadinho mais a tua ferocidade e explorar o comportamento dos inimigos, o modo de morte permanente talvez te irá ajudar. Existirão várias opções do uso deste modo à tua disponibilidade, como por exemplo uma vida por capítulo, ou se quiseres ir mais longe, porque não jogar até ao fim sem perderes o teu personagem para alguma bala perdida ou para um clicker esfomeado? Boa sorte com isso!

A comunidade dos speedrunners também ganha destaque, já que poderão explorar Last of Us da forma mais extrema da pura jogabilidade em desafio contra-relógio, sem se preocuparem com as cinemáticas, e sempre com um pequeno contador ao lado para cruzarem os melhores tempos com os dos amigos, ou até os próprios recordes.

Ao longo da jornada, irás desbloquear os pontos de progressão já conhecidos em Last of Us Remastered, e com esses pontos poderás desbloquear itens exclusivos desta versão. Com isto, falo-vos de t-shirts personalizadas com alguns dos jogos mais icónicos da plataforma para vestir a Ellie ou o Joel, ou variadas customizações das armas, assim como um leque de modificadores de jogabilidade e renderização, algo que certamente ajudará um pouco mais no factor replay, desta que é em suma a experiência definitva de Last of Us.

Gamers que irão jogar The Last of Us pela primeira vez, invejo-vos, de verdade!

Agradecemos à Playstation Portugal por nos ter cedido uma chave na plataforma Playstation 5 para análise.

CONCLUSÃO
Intemporal
8.5
Igor Gonçalves
Curioso, explorador, e fã de videojogos desde que me lembro, e em especial pela saga Metal Gear. Não jogo plataformas, jogo jogos.
the-last-of-us-part-i-analiseThe Last of Us Part I não precisa conceber muito, e no entanto consegue intensificar de uma forma absurdamente atmosférica tudo o que já era brilhante, e entregar assim a experiência definitiva da obra-prima narrativa sem igual à jornada de Joel e Ellie.