O gato e o rato mais famosos do mundo estão de volta para uma nova aventura no Grande Ecrã, mas desta vez em imagem real. Tom & Jerry estreou esta quinta-feira nas salas portuguesas por todo o país.
Ao contrário do universo de Scooby Doo, devo confessar que não tenho seguido as produções de Tom & Jerry ao longo dos últimos anos, sendo que apenas vou reparando que vão sendo lançados alguns filmes especiais directos para DVD como já tem sido tradição.
Criados em 1940 por William Hannah e Joseph Barbera, Tom & Jerry são dois personagens icónicos do mundo da animação que começaram inicialmente por entrar em curtas metragens, passando depois para outros tipos de formato como filmes, séries, jogos e muito merchandising ainda hoje presente.
Com uma premissa simples (pelo menos nas suas origens iniciais), a rivalidade era o centro das peripécias entre gato e rato, na qual estes personagens passavam o tempo todo a criar confusão, proporcionando momentos cómicos através de comédia física (em inglês o famoso termo Slapstick comedy).
Neste novo filme em imagem real situado em Manhattan, Tom sonha em ser um pianista e tenta a sua sorte ao tocar por Central Park, enquanto Jerry tenta procurar um novo local para viver. Ao mesmo tempo conhecemos Kayla Forester (interpretada por Chloë Grace Moretz), uma rapariga que consegue um trabalho temporário na área de eventos do Hotel Royal Gate, e que encontra dificuldades quando a rivalidade de Tom e Jerry chega ao seu próprio local de trabalho, criando consequências pelo meio.
Em primeiro lugar, preciso de destacar como um grande ponto positivo a decisão do filme ser criado com imagem real misturada com animação 2D, algo que sem dúvida recordou-me bastante o clássico Quem Tramou Rogger Rabbit? de 1988 que usou o mesmo formato.
Numa altura que o cinema sofre uma certa saturação de certos filmes com personagens conhecidas e quase sempre em Animação 3D que nem sempre correm bem, é bom ver que este estilo mais tradicional volta a ter novamente lugar entre nós com mais frequência.
Mesmo sendo uma animação 2D mais actualizada para os dias de hoje, é ótimo ver Tom e Jerry visualmente em cena, pois os traços de origem dos personagens estão presentes de forma natural fazendo com que realmente o público sinta que está a ver Tom e Jerry e não uma tentativa do duo. A presença destes dois rende momentos divertidos e que fazem lembrar as várias peripécias em que se metiam ao longo dos anos, e sem dúvida são as partes que valem o filme com muito caos e destruição pelo meio. Não só eles têm presença visual como todo o filme se insere na ideia de que humanos e cartoons vivem entre si, um formato que, como eu disse, já não se vê muito nos dias de hoje. Seja na própria cidade de Manhattan ou em alguns momentos dentro do Hotel, temos várias interações dos dois lados que dão outra cor ao filme e ainda algumas presenças conhecidas como o Bulldog Spike ou um cameo muito rápido do cão Droopy.
Não só a animação 2D foi uma óptima decisão do estúdio e do realizador como uma forma de homenagem a estas criações da Hanna-Barbera, bem como a comédia física característica de Tom e Jerry estar bastante presente sempre que os personagens animados estão em cena.
Esse foi logo um dos pontos que me chamou a atenção assim que vi o primeiro trailer, pois pensei que a Warner fosse decidir ser mais contida com essa questão (que apesar de eu não achar propriamente, isso pode ser algo considerado bastante violento nos dias de hoje para os mais novos). Numa época que enfrentamos várias situações de Cancel Culture por diversas razões, temia que Tom e Jerry passasse por algum tratamento nesse aspeto pois foi sempre uma temática debativel o quão violentos poderiam ser os seus cartoons.
Felizmente, essa característica não foi esquecida no filme e em certa medida também não é contida, o que inclui até um atropelamento mas nada que não possa ser visto por um público infantil.
Infelizmente, os pontos positivos ficam por aqui porque estamos perante uma produção que podia ter sido muito mais elaborada e que a sua maior falha reside no facto de Tom & Jerry ser um filme com participação especial de Tom e Jerry.
Com isto quero dizer que achei que a Warner Bros. caiu no erro de fazer deles personagens secundários numa história em que a presença principal acaba por ser a dos atores de carne e osso e da personagem de Kayla. Dito por outras palavras, senti que muitos dos momentos de Tom e Jerry fossem como os de Scrat nos vários filmes da Idade do Gelo, que acabam por ser bastante secundários de um personagem que apesar de bastante engraçado, era secundário.
É certo que fazer um filme com aproximadamente 100 minutos com dois personagens mudos e que se comunicam através de linguagem gestual pode ser difícil mas não é tarefa impossível, pois já tivemos bons resultados como foi o caso dos filmes da Ovelha Choné do estúdio de animação da Aardman.
Pegando como exemplo o último filme de longa metragem desta dupla que foi em 1993 que na época foi massacrado (injustamente na minha opinião apesar dos defeitos), tínhamos sim uma presença humana mas o foco não deixava de ser Tom e Jerry como protagonistas ao lado dela, numa história bem mais apelativa que esta de 2021.
A história neste filme foca-se demasiado nos vários desafios que a personagem de Chloe Moretz encontra ao mesmo tempo que as suas acções são muito duvidosas, bem como algumas outras personagens como o caso do personagem Terrance (interpretado por Michael Pena).
Com isso, diversos clichés são reunidos como já deves esperar, com várias sequências de diálogos desinteressantes entre actores que prolongam-se demasiado, cenas repetitivas de uma personagem que trabalha num hotel muito estranho, e que acaba por estender a piada quando ela já perdeu o efeito, um momento de Tom a cantar em auto-tune sem nenhuma explicação visto que o personagem nunca fala durante o filme, e outros momentos que acabam por não abonar a favor do filme.
Chloë Grace Moretz e Michael Peña fazem aquilo que podem com o argumento do filme, que lhes é dado nos seus respetivos papeis apesar de achar que Peña é um actor talentoso em timing de comédia, mas que aqui não é devidamente utilizado. Entre outros actores, destaco também a presença do engraçado Ken Jeong ( o famoso Mr.Chow da Trilogia A Ressaca) que aqui não só tem uma participação muito pequena como também infelizmente não acrescenta de muito na trama.
O filme ainda tem direito a uma cena pós-créditos que infelizmente reforça o problema maior que destaquei acima, sendo que é indiferente se a virem ou não.