Toy Story

Há personagens e histórias que vivem na nossa memória e muitas delas mudaram-se de malas e bagagens para o nosso imaginário ainda durante a infância. São recordações reconfortantes e nostálgicas que inconscientemente guardamos numa fita de cassete, sobre a qual não é possível gravar mais nada. Fazem parte de quem somos. E o tema deste artigo começa precisamente numa dessas cassetes, a de Toy Story: Os Rivais, onde os brinquedos ganharam vida pela primeira vez.

No verão de 2000, nos meus cinco anos, fomos de férias para casa de um primo no Algarve e decidimos levar uma pequena televisão com vídeo incorporado, uma tecnologia muito prática em tempos. Para complementar a peça, levei três cassetes VHS, duas de contos e uma de Toy Story: Os Rivais. Inevitavelmente, até porque sou dado à repetição, as duas primeiras cassetes mal saíram da mochila e a terceira rodou em loop durante uma semana, a ponto de ainda conhecer os diálogos de Woody e Buzz de cor e de ter uma tia que continua traumatizada com tudo o que diz respeito a este assunto.

Não sei ao certo quando, mas o meu interesse por Toy Story deve ter começado pouco antes dessas férias, no mesmo verão em que fui confrontado com o famoso “na volta a gente compra”, depois de ver um Buzz Lightyear na montra de uma loja. Foi um momento que sempre serviu de piada entre mim e a minha mãe, que, muitos anos depois, acabou por me oferecer um Buzz Lightyear como surpresa de aniversário. Buzz esse que teve a companhia de Woody pouco tempo mais tarde, numa surpresa igualmente feliz. Por isso, nunca pensem que é tarde, malta. Nunca desistam do Buzz Lightyear que vos prometeram comprar no regresso para casa!

De qualquer modo, este artigo não é apenas sobre recordações de infância, mas também o é. Das cassetes aos brinquedos, Toy Story ocupa um lugar especial no coração e no imaginário de toda uma geração. Woody, Buzz, Jessie, Rex, Slinky, Hamm, Cabeça de Batata, Bo Peep e o próprio Andy são personagens de que fomos aprendendo a gostar e que continuam bem vivas no nosso pequeno cartão de memória pessoal. Agora, no ano em que Toy Story chega aos 30, decidi dedicar-lhe este pequeno (mas generoso) texto.

De rivais a melhores amigos

Pensar que a viagem de Toy Story começou com uma festa de aniversário há 30 anos dá-nos uma perspetiva completamente diferente do passar do tempo. E, sobretudo, do quão velhos estamos a ficar. Em Toy Story: Os Rivais (1995), conhecemos Andy, um menino cuidadoso e que sempre tratou os brinquedos como verdadeiros amigos… algo não muito longe da realidade.

Em Toy Story: Os Rivais, Woody, o cowboy e brinquedo preferido de Andy, vê-se confrontado com a chegada de um novo e moderno brinquedo, Buzz Lightyear, o astronauta, que monopoliza a atenção de todos. Movido pelo ciúme, Woody decide vingar-se de Buzz, ponto de partida que os leva a embarcar numa aventura atribulada, da qual regressam de pazes feitas e unidos em prol de algo maior: o bem-estar de Andy. De uma rivalidade impossível de ultrapassar, nasceu uma das mais marcantes amizades da nossa infância.

Ainda na década de 90, a Pixar lançou o segundo filme protagonizado por estes dois amigos, Toy Story 2: Em Busca de Woody. Enriquecendo a história com novos heróis e novos vilões, Toy Story 2 deu asas a sentimentos que não tinham sido explorados em Toy Story: Os Rivais. Por exemplo, ninguém se esquece da canção de Jessie sobre Emily, numa cena que continua a emocionar. Dando um salto para novos cenários e novos acontecimentos, Toy Story 2 não desmereceu o original e tornou-se, na minha opinião, no gatilho para a inclusão de momentos comoventes em futuras criações da Pixar.

Toy Story: Os Rivais foi a primeira longa-metragem da Pixar, antecedida, praticamente na mesma esfera, por uma curta-metragem de 1988 chamada Tin Toy, cuja referência encontramos em formato de easter egg nos primeiros minutos de Toy Story: Os Rivais. Tin Toy apresenta movimentos rudimentares e experimentais, uma expressão clara dos passos que a própria animação em CGI procurava dar. O livro Criatividade, de Ed Catmull, explora este processo de forma bastante curiosa. Se quiserem saber mais sobre a Pixar e a evolução deste mundo fascinante, recomendo a leitura!

Novas histórias e novos amigos

O tempo passa e tudo passa com ele. Depois de um intervalo de mais de uma década, Toy Story 3 (2010) trouxe de volta as personagens que conquistaram o público e retratou o crescimento de Andy e o seu inevitável afastamento dos brinquedos. O lançamento deste título coincidiu com o tempo em que estava no secundário e ponderava a ida para a faculdade, tornando-se ainda mais pessoal e simbólico. Atribuindo uma maior independência aos brinquedos, este terceiro filme teve liberdade para desenvolver com maior profundidade o lado humano dos protagonistas, tornando a narrativa mais complexa e elaborada.

Toy Story 4 (2019), por outro lado, apresentou-se como o fim de um ciclo que todos julgávamos estar fechado. Na prática, Toy Story 3 pareceu encerrar de forma coerente e emocionante a trilogia Toy Story, mas o quarto filme da série provou haver conteúdo a acrescentar e espaço para contar novas histórias. Em diversas ocasiões, a narrativa parece seguir a lógica “fuga, regaste e regresso”, mas a Pixar conseguiu sempre, de forma consistente e progressiva, manter o efeito nostálgico e criar novos e interessantes enredos.

Apesar de Toy Story manifestar claramente grande qualidade, tanto na produção como na escrita, é inegável que a espera e o tempo amadureceram bem a série. Toy Story 3 e Toy Story 4 mantiveram a identidade da marca, mas revelaram uma evolução na construção de protagonistas, vilões e interações. Com enredos mais densos e metafóricos, o terceiro e o quarto filmes da série apostaram na emoção e em estruturas robustas e complexas, mostrando que Toy Story continuou a crescer ao lado do público.

Quando o astronauta é a estrela

Toy Story apresentou-nos locais inconfundíveis, incluindo o Pizza Planet, o liminal space da Dinoco em que a mãe de Andy abastece o carro, a Loja de Brinquedos do Al e o Centro de Dia Sunnyside. Espaços que abriram portas a referências intemporais. Curiosamente, a Pixar, perita em bloopers e easter eggs, tem usado por exemplo a carrinha do Pizza Planet ou a marca Dinoco de forma subtil em várias produções, como Uma Vida de Inseto (1998), Monstros e Companhia (2001), Carros (2006) e Coco (2017). Por serem tantos e tão bons, é até provável que alguns easter eggs me tenham escapado, o que faz com que tudo se torne ainda mais interessante!

Em contrapartida, nem tudo são detalhes escondidos e há elementos que adquirem grandes proporções e produções próprias. Uma das mais estranhas recordações que guardo é a de assistir a uma animação 2D que tem lugar no Comando Estelar, de onde Buzz Lightyear garante ter chegado. Buzz Lightyear do Comando Estelar (2000) parece quase um delírio coletivo apagado dos registos. Protagonizada por um grupo caricato e liderado pelo astronauta, esta série relata o quotidiano e as peripécias do agitado Comando Estelar. Para além da série, existe um filme, Buzz Lightyear do Comando Estelar: A Aventura Começa (2000), que tenho a sorte de ter conseguido encontrar em DVD.

Anos mais tarde, a história de Buzz adquiriu uma nova versão, com o lançamento do filme Lightyear (2022), que, numa vertente mais realista, narrou a história do astronauta que inspirou a criação do brinquedo. Este título transportou o universo de Toy Story para uma dimensão inexplorada, pondo de parte o conceito de os brinquedos ganharem vida, e conduziu o público numa impressionante viagem ao espaço.

Se ainda não repararam, o Disney+ está carregado de conteúdo Toy Story! Para além dos filmes principais, a plataforma conta com minisséries e episódios especiais, incluindo as curtas O Pequeno Buzz (2011), Toy Story Toons: Férias Havaianas (2011), RexFestaSauros (2012), Toy Story de Terror! (2013), Toy Story: Perdidos no Tempo (2014), Vida de Candeeiro (2020) e O Garfy Pergunta. Os protagonistas de Toy Story integram também o elenco da série de curtas Pipocas Pixar (2021).

Rex vs. Zurg

No início de Toy Story 2, o pouco hábil Rex tenta, sem sucesso, derrotar o imperador Zurg, numa espécie de Super Nintendo, tendo de recorrer a uma revista de videojogos para procurar dicas. Este não é, no entanto, o único momento em que Toy Story põe a bota no mundo do Gaming. Pensando bem, sinto saudades do tempo em que encontrávamos um jogo para cada filme acabado de estrear, e Toy Story não foi exceção. Das adaptações aos party games, sem esquecer o brutal Toy Story Racer (2001), Woody, Buzz e companhia viajaram por diversas ocasiões até ao pequeno ecrã à boleia das consolas.

Num contexto mais recente, o papel de Toy Story em Kingdom Hearts III, num mundo que nos permite explorar vários cenários, tem de ser destacado. Dos golpes para a pista, Woody, Buzz, Bo Peep e Jessie regressaram às corridas e à alta velocidade, sendo quatro das muitas personagens disponíveis em Disney Speedstorm.

O infinito é por aqui?

Como escrevi, Toy Story teve várias oportunidades de encerrar a história, regressando sempre com novos conteúdos e abordagens inesperadas. Após o que parecia ser o fim da história, surgiu a novidade de que Toy Story vai regressar para um quinto capítulo, no verão de 2026, mais de 30 anos depois do original. Resta esperar (ansiosamente) para ver o resultado!

É ingrato e ambicioso querer explorar um tema tão abrangente e com tanto para escrever, mas penso que este artigo permitiu reavivar memórias e chegar a quem cresceu na companhia de Woody e Buzz. Passe o tempo que passar, somos muitos a viver estas histórias de amizade e coragem e a conhecer de trás para a frente a letra do clássico “Sou teu amigo, sim”. Agora, tal como muitos de nós, Toy Story completa 30 anos. Três décadas de magia e nostalgia. Uma vida a ensinar-nos a ajudar o próximo, a lutar pelo que está certo e a não desistir de voar – ou cair com estilo – em direção aos nossos sonhos… Para o infinito e mais além!