Há 11 anos atrás a actriz Scarlett Johansson marcava a sua entrada no universo cinematográfico da Marvel com a interpretação da popular agente secreta Natasha Romanoff, a Viúva Negra.

Foi em Homem de Ferro 2 de 2010, que a personagem foi introduzida como agente da S.H.I.E.L.D. sob disfarce de uma assistente pessoal contratada por Tony Stark. Mesmo com o passar do tempo e com os vários filmes seguintes fosse em Vingadores ou Capitão América, a actriz reconhece agora que a sua personagem foi extremamente sexualizada na segunda aventura do Homem de Ferro.

Estava difícil com a pandemia, e depois de alguns adiamentos por acréscimo entre este e outros projectos, mas Viúva Negra finalmente está entre nós e marca também o regresso dos lançamentos de filmes da Marvel Studios. Com um ano apático de 2020 seguido de um 2021 para já recheado de conteúdos da Fase 4, este é o primeiro lançamento do estúdio nos cinemas e em certa parte marca um último adeus definitivo à personagem.

Para ser sincero o meu entusiasmo não era muito grande em comparação com outros futuros títulos por chegar, e isso se deve ao facto de sentir que este filme veio tarde demais, aliás mantenho esse pensamento ainda após o visionamento. Com a sua conclusão em Vingadores: Endgame e com outras histórias a serem planeadas para esta nova fase, Viúva Negra tem aquele sabor agridoce de ser uma boa e satisfatória aventura a solo da heroína, mas ao mesmo tempo chega cinco ou seis anos atrasado.

Seguindo os acontecimentos em Capitão América: Guerra Civil, Natasha continua em fuga após violar os tratados de Sokovia ao ajudar Steve Rogers, assim como outros membros dos Vingadores em fuga. Mas depois de uma perseguição no meio de uma conspiração maior e perigosa, os fantasmas do seu passado e antigos relacionamentos duma vida deixada para trás voltam a assombrá-la, ao mesmo tempo que se reencontra com a sua irmã Yelena Belova (Florence Pugh).

Já tínhamos tido alguns breves instantes do que seria esta vida passada de Natasha quando Wanda usa os seus poderes de controlo para reviver memórias em Vingadores: A Era de Ultron, mas foi algo que nunca foi explorado a fundo. Algumas pequenas menções foram sendo feitas aqui e ali, e através de alguns diálogos iam dando mais algumas pistas.

Começamos o filme logo a remeter à infância da mesma, com Natasha e Yelena sendo separadas dos seus pais e levadas mais tarde para serem submetidas ao programa da Viúva Negra a cargo do General Dreycov (Ray Winstone), envolvendo claro um tanto de lavagem cerebral. É uma cena eficaz e densa, que mostra logo o ponto de partida e onde o filme vai querer explorar em certa medida.

Com o equilíbrio certo entre um tom sério próximo do que vimos em Capitão América: O Soldado do Inverno e um filme de espionagem (porque acima de tudo é disso que se trata claro e em estilo de Missão Impossível) o ponto forte são as personagens e as relações entre si, por mais que uma ou outra sejam infelizmente um pouco mais superficiais por conta do argumento do filme.

Ao mostrar as consequências e os traumas que o programa de Dreycov deixou na vida de muitas jovens que passaram pelo mesmo, Scarlett Johansson abraça a sua personagem com toda a força e mostra uma Natasha determinada em libertar outras vitimas que passaram pelo mesmo que ela.

E falando no elenco, Florence Pugh no papel de Yelena Belova é uma das melhores coisas do filme e certamente uma adição bem-vinda para o universo da Marvel Studios. Sou um pouco suspeito em falar, pois gosto bastante desta actriz e tenho acompanhado o seu percurso ainda fresco no mundo da representação, mas fascínios à parte, acredito mesmo que tem ainda muito para dar como Yelena pois carisma não lhe falta.

As duas irmãs têm química, e as várias interações e diálogos convencem e ainda acrescentam bons momentos pelo meio. A personagem de Pugh junta um misto de humor inocente com algum sarcasmo e atrevimento pelo meio e faz-nos simpatizar ao mesmo tempo que demonstra como os caminhos delas foram um tanto diferentes entre si. Entre algumas menções aos Vingadores e ainda à famosa pose de heroína que já conhecemos da Viúva Negra, são alguns momentos que nos fazem relembrar o quão humanas são estas personagens em específico em comparação com deuses, monstros e outros super-heróis a que estamos acostumamos neste universo.

Da restante família, temos ainda no elenco David Harbour no papel do Guardião Vermelho (uma versão russa do Capitão América), com um lado bastante excêntrico e que faz questão de se comparar ao mesmo e a suposta figura paternal. O papel de Harbour garante momentos engraçados no filme devido à sua personalidade extravagante, apesar de em outros achar que não funciona tanto pelo timing ou intenção dos seus diálogos, pelo que se tornou um personagem confuso de se perceber em certos detalhes e aspectos a meu ver.

Já a personagem de Rachel Weisz, Melina Vostokoff, tendo um papel importante na história, merecia um pouco mais de desenvolvimento, o que me fez sentir que mesmo sendo a figura materna desta estranha família, faltou um pouco mais de substância.

Mesmo com os altos e baixos dos papéis destes últimos dois, a química da família é um ponto alto e reforça ainda mais um dos temas do filme sobre o que pareceu real nas vidas de Natasha e Yelena e os laços que foram sendo construídos entre os 4 mesmo que não seja tudo perfeito. Porque sim, Viúva Negra não só é um filme sobre vulnerabilidade, controlo humano e fantasmas do passado, mas é essencialmente também um filme sobre família.

Estes são alguns pontos que me fizeram relembrar breves momentos de Vingadores: Endgame num diálogo entre uma Natasha bastante afectada e Steve Rogers sobre serem parte de uma segunda família e aquilo que entretanto desmoronou após o estalar de dedos de Thanos.

Temos ainda a presença do vilão Taskmaster que sem dizer muito, pois entraria no campo de grandes spoilers, apesar de render boas cenas de acção em algumas perseguições ou combate físico (sem esquecer uma das duas habilidades características dos Comics) creio que deixará muitos fãs com um sabor amargo.

Dentro do contexto do filme percebo a intenção de o usarem da forma que foi retratado  para aquilo que querem transmitir em função da história apresentada. Mas um personagem tão memorável e ultimamente transposto de forma bem satisfatória em jogos como Marvel’s Spiderman e até mesmo em Marvel’s Avengers da Square Enix, merecia mesmo muito mais do que aquilo que foi apresentado. De certa maneira foi mesmo uma desilusão para mim e espero mesmo que o estúdio decida mais tarde fazer um retcon como vão fazer agora para o Mandarim em Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis.

Para a seriedade que o filme exige, felizmente o humor está moderado e isso a avaliar pelos conteúdos que já foram lançados este ano parece que a Marvel está a começar a redefinir a dosagem. Não esperem, portanto, um filme de comédia (um conflito que ainda hoje mantenho com Thor: Ragnarok apesar de ser o meu favorito da trilogia), mas sim alguns pequenos momentos que são nos timings adequados com os personagens certos.

Numa última nota mas importante, o filme possui uma cena pós-créditos mesmo no final muito relevante para uma das próximas produções a ser lançadas este ano (quando a virem, vão perceber do que se trata).

CONCLUSÃO
Vai satisfazer certamente os fãs da heroína, porém o mergulho no passado pode não ser da maneira que esperavam.
7
Ricardo Salavisa Simões
Cinéfilo, gamer, cosplayer e ainda adorador de praia, piscina e tudo o que envolva água, e cenas aquáticas ao mesmo tempo que é um louco por Studios Ghibli desde gaiato. Pretende um dia voltar a pegar numa prancha de Bodyboard e recordar outros tempos de preferência sem tubarões do Spielberg pelo mar.
viuva-negra-analiseEm suma, Scarlett Johansson nasceu para o papel da Viúva Negra e aqui presenteia-nos com o seu lado mais vulnerável e intimista, permitindo explorar mais a fundo o lado misterioso da personagem. É um filme sólido mas que poderia ter sido a oportunidade para a Marvel Studios mergulhar na classificação para maiores  arriscando um pouco mais na crueldade que os temas exigem. No fim apesar de uma boa aventura de espionagem, soa como que a um capricho finalmente concretizado a pedido dos fãs que já pediam aos anos por uma aventura solo. Um filme que podia ter sido encaixado perfeitamente lá em 2016 depois do lançamento de Capitão América: Guerra Civil ou mesmo até numa mini série do Disney+, mas que felizmente há um cuidado para evitar incoerências ou erros de continuidade sendo ele uma prequela.