Em 2019, Death Stranding chegou como um estranho em terra conhecida. Um jogo onde a maior parte do tempo se passa a caminhar? Num mercado saturado por propostas previsíveis, Hideo Kojima quis ser ele mesmo, e entregar o impensável: um jogo sobre entregar encomendas, reconectar e sentir o peso do silêncio.

À primeira vista, parecia uma experiência pretensiosa e até vazia, e de facto o é. Mas para aqueles que se permitiram ligar a este cantinho solitário e atravessar aquele mundo despedaçado, Death Stranding provou ser uma experiência profunda, e especialmente simbólica ao ser lançado pouco antes do isolamento de 2020 — uma época estranha em que o mundo real se viu, de forma quase profética, isolado e em busca de novos laços à distância.

A proposta de reconstruir a rede quiral era o grande objectivo. Sam Porter Bridges, interpretado por Norman Reedus, um tipo solitário e de poucas palavras, não é herói por matar monstros ou vilões, mas por conseguir fazer o impensável, ligar; através de carregar o peso do mundo, e conectar, seja quem for.

A proposta de Death Stranding era única. Como base, temos o simples acto de caminhar, mas por trás dessa simplicidade, esconde-se um dos sistemas mais elaborados para simular o esforço físico: equilíbrio, terreno, peso, clima, e energia. O multiplayer que é essencial, era e continua a ser gratuito, já que faz parte da experiência — onde pontes, escadas e abrigos deixados por outros jogadores podiam ser descobertos nas nossas jornadas, e vice-versa — foi uma das mais geniais encarnações de solidariedade indirecta.

Com Death Stranding 2, o seu criador parece ter entendido o que falhou na primeira entrada da série, e tudo o que entregou nesta sequela conseguiu superar a origem. Este jogo não abandona as bases filosóficas e atmosféricas do primeiro jogo, como as expande e as lapida mais na sua forma de expressão. Tudo é mais fluido, desde as opções de locomoção, a integração de todos os elementos, uma IA mais inteligente, e um grafismo de fazer cair o queixo.

A experiência ao iniciar pela primeira vez Death Stranding 2, é de ficar completamente desacreditado. O jogo não é apenas bonito. É absurdo. É quase ofensivo de tão detalhado, atmosférico, minucioso. O motor Decima cedido gentilmente pela Guerrilla Games é já conhecido pelos seus feitos visuais, e já vimos o seu poderio na franquia Horizon (Horizon Zero Dawn e Horizon Forbidden West) mas aqui bate uma nova escala. A alta fidelidade gráfica e a capacidade de entregar mundos abertos expansivos com todos estes detalhes, é a prova que é um dos motores líder no que toca a entregar grafismo para os jogos.

Death Stranding 2 começa alguns anos depois do primeiro jogo narrativamente falando. Sam, agora vive com sua filha Lou, num refúgio isolado no deserto do México. Ficamos a saber que após os eventos do primeiro jogo, o nosso protagonista deixa a vida de Porter, e adopta uma vida tranquila longe das pressões da UCA e claro, para proteger a sua filha. O problema, é que imediatamente após o controlar, somos confrontados por eventos trágicos que nos forçam a retornar à acção. Não quero mesmo spoilar um acontecimento que acontece muito cedo, porque é o prato garantido para estragar a experiência, mas desde muito cedo a narrativa inicial aborda temas profundos, com a profundidade e carga emocional que o primeiro jogo nos habituou.

No geral, esta sequência entrega uma narrativa mais introspectiva e centrada nos personagens, mas também é mais coesa e simples, ainda que mantenha a complexidade filosófica característica de Hideo Kojima. A introdução de novos personagens era muito necessária, e foram literalmente escolhidos a dedo. Dollman, por exemplo, além de adicionar profundidade e dinamismo ao enredo como um todo, destaca-se por ser um espírito preso dentro de um boneco, resultado de um acidente que separou sua alma do seu corpo. A sua animação é muito peculiar; um estilo stop-motion, movendo-se a uma taxa de quadros inferior ao restante do jogo. É um personagem perspicaz e oferece comentários ao longo do jogo (ou quando descansamos no quarto) que enriquecem a narrativa, funcionando como um guia emocional para Sam, um pouco ao estilo do Mimir em God of War. É um personagem realmente incrível, mas não é o único (sim, já disse que não vou spoilar muito); a interação entre Sam e os seus companheiros é muito mais rica nesta sequela, e mesmo sendo um carrancudo, há humor e mais emoção que fortalece o nosso vínculo com a história.

Mas vamos ao que interessa; Death Stranding 2: On the Beach refina e expande a jogabilidade do original. Esta sequela oferece uma experiência que apesar de ser mais acessível, é muito variada, e consegue adicionar bastantes novos elementos sem perder sua identidade única. O jogo mantém o foco na entrega de cargas, mas introduz melhorias significativas que enriquecem a jornada de Sam ao nosso comando. Agora, novas ferramentas são disponibilizadas desde muito cedo, e não só ferramentas, como também os veículos, que no seu antecessor só nos são presenteados os seus blueprint de construção já com muitas horas nas costas. Isto reforça uma vez que Death Stranding 2 é um jogo mais convidativo e acessível. A fauna deste jogo é sempre muito diferente e única, e com mais terreno para explorar. Florestas, desertos, ruínas, cumes de neve; cada um deles extremamente detalhados e e com vida selvagem, desastres e fenómenos naturais como tempestades de areias, e até meteoros capaz de causar incêndios devastadores.

Não vou entrar em detalhes de novos blueprints, porque alguns deles são ligados à história directamente, mas focando-me no que já existia no seu antecessor, agora podes utilizar os porta-cargas como skate, muito útil para fugires de inimigos e te locomoveres mais rápido. Existe agora um monorail, que a meu ver funciona melhor que as próprias ziplines. Basicamente, este é o método que faz a cobertura de mais terreno e que numa questão de segundos/minutos, permite carregar não só encomendas como veículos, mas como tu próprio passas a ser parte da carga.

Existem mais armas, muito derivado à maior presença de inimigos, e isso é resultado concreto nas missões. O elemento stealth que Kojima nos habituou, está muito mais presente nesta sequela do que no seu antecessor. Além das já conhecidas armas como por exemplo a Bola Gun ou a Assault Rifle, novos modelos únicos estão agora disponibilizadas para abordares as missões com mais liberdade: uma Sniper de tranquilizantes, uma lançador de granadas, e muito mais. Este foco mais na acção transformou completamente a experiência, e o Kojima acertou de forma perfeita neste misto de liberdade e adrenalina que cada missão nos traz.

Outra das minhas funcionalidades favoritas, e aqui vou ter mesmo que mencionar por razões óbvias de quality of life, é o DHV Magellan. Uma das maiores inovações de Death Stranding 2: On the Beach. Basicamente, esta monstruosidade de metal funciona como uma base móvel multifuncional, além de ser um sistema de transporte avançado que redefine a logística e a exploração no jogo. É aqui que se encontra a base de operações de Fragile e de mais umas quantas figuras e surpresas. Pensa nesta nave como um HUB que funciona como um locker móvel e facilita o planejamento entregas já que dá para colocar carga antecipadamente para destinos específicos. Já para não falar no seu design naquele estilo Metal Gear REX.

Como seria de esperar numa obra de Hideo Kojima, a banda sonora de Death Stranding 2 não é apenas pano de fundo — é alma, atmosfera e linguagem da experiência. Mais do que acompanhar a jornada, a música dá-lhe direcção emocional e transforma cada passo numa experiência sensorial.

Ludvig Forssell, já conhecido pelas suas colaborações anteriores com Kojima, orquestra com mestria um universo sonoro que pulsa com o ritmo do mundo em ruínas. Também o compositor Francês Woodkid conhecido por uma estética visual e sonora bastante peculiar, foi convidado por Hideo Kojima para criar músicas originais para o jogo, e que entrega. Apaixona-nos logo na primeira introdução do jogo.

A banda sonora de Death Stranding 2 é notável pela sua diversidade estilística e cultural. Artistas como Caroline Polachek, Gen Hoshino, Magnolian e Hania Rani contribuem com faixas que respiram diversidade, do mais dance-dance ao mais introspectivo. Essa variedade musical reflete a amplitude temática do jogo, que aborda questões como conexão humana, perda, política e até luto. Para melhorar tudo, ainda podes ouvir todas estas faixas ingame, enquanto fazes as tuas entregas. Uma experiência sem igual de um mantra para a vida real — especialmente quando transportamos estas faixas para aquelas caminhadas introspectivas em dias nublados, onde o nosso mundo parece mais Death Stranding do que gostaríamos de admitir.

Agradecemos à Playstation Portugal pela cedência de uma cópia digital para Playstation 5.

CONCLUSÃO
Brilhante!
9.5
Igor Gonçalves
Curioso, explorador, e fã de videojogos desde que me lembro, e em especial pela saga Metal Gear. Não jogo plataformas, jogo jogos.
death-stranding-2-on-the-beach-analiseDeath Stranding 2: On the Beach expande a fórmula do primeiro jogo com uma jogabilidade mais fluida, narrativa introspectiva e gráficos impressionantes. A banda sonora diversificada, cheia de emoções, e a introdução de novas mecânicas de locomoção e interacção, tornam a experiência ainda mais imersiva. Com personagens mais cativantes e uma história mais coesa e carregada de acção, a sequela refina o que já era excelente. Uma obra-prima que continua a desafiar expectativas.