Quando dois génios excêntricos decidem juntar-se, só pode nascer algo entre o genial e o completamente tresloucado. Hotel Barcelona é daqueles jogos que já se sabia que ia ser uma experiência bizarra só pelo simples facto de ser assinado por SWERY (Hidetaka Suehiro) e SUDA51 (Goichi Suda). Dois nomes que, quando separados, garantem uma mistura de humor negro, estranheza, momentos desconfortáveis e personagens que oscilam entre o hilariante e o inquietante. Felizmente, juntaram forças, e o resultado final: é esquisito, mas cativa.

Esta é uma nova proposta de Swery. Trata-se de um metroidvania roguelite de acção. O core é muito simples: Através do mapa escolhes um nível, passas por caminhos e portas que te levam até ao boss, e finalizas. O Hotel, claro, é o palco central de toda a aventura. Chama-se Barcelona e é um espaço luxuoso, com gente supostamente bem requintada e de bolsos cheios, num ambiente extravagantes, mas que funciona essencialmente como HUB. É lá que podemos preparar a próxima run, interagir com personagens peculiares, ouvir diálogos tanto nonsense, como cheios de dicas, ou jogar uma partida de pinball e simplesmente desfrutar da música jazzy que, tal como em Deadly Premonition, cria um ambiente único mesmo com loops curtos. O bar, em particular, tem uma melodia em tão agradável que dá vontade de deixar o jogo ligado só para a ouvir em fundo. Se pelas imagens visuais que te criei pensaste em algo como no recente Hollow Knight, esquece essa ideia. Este é um metroidvania diferente, em quase tudo.

Logo a partir da história e nas primeiras interações com as personagens, sentimos aquele carimbo inconfundível de Swery. Existe intriga, há comédia, mas também há imensos momentos característico de ambos, em que pensamos: o que é que acabei de ver? Curiosamente, acaba por ser um dos pontos fortes do jogo. A nossa protagonista jogável é Justine, uma novata U.S. Marshal, que pensava que a missão que estava a realizar era apenas mais uma, banal. Após um despiste de carro a sua vida mudou completamente, acordou neste Hotel, com imensas perguntas, e uma outra personalidade a lutar pelo controlo da sua mente, que na verdade é mais a sua alma de serial killer e a segunda personalidade do seu corpo. Sucintamente e sem entrar no campo de spoilers, há um grande mistério sobre a morte do pai de Justine, e o objectivo é encontrar uma Bruxa e tentar descobrir a maldição do hotel. É uma personagem típica de anime: retraída, timida, e assustada. Os primeiros momentos no hotel foram tensos, e é fácil perder a compostura quando tudo o que acontece ao redor dela, a faz asustar-se e gaguejar sem fim.

O elenco secundário não fica atrás. O bartender, por exemplo, tem uma obsessão curiosa com orelhas, sim, leste bem. Cada vez que lhe damos uma, ele troca por itens como moedas, ossos e dentes para upgrades, ou até tickets que permitem uma segunda oportunidade contra um boss. Depois temos figuras como o TIM, que se esconde no armário, e tem a função de nos ajudar com upgrades através de uma árvore com imensas e mais imensas skills. Muitas delas podem ser melhoradas com simples itens, outras requerem o coração dos serial killers, que neste caso são os bosses. No espelho também podemos desbloquear roupas para a nossa protagonista, alguns que fazem referência a outros jogos (como J.J. Macfield). Temos também a Monica Rodriguez, que vende armas variadas. O leque de armamento é generoso, desde facas, machados e serras, até shotguns e lança-chamas desbloqueáveis mais tarde através das skills. E, para os mais masoquistas, a Front Desk dá acesso a pedidos especiais, como o modo “Bondage”, que aumenta brutalmente a dificuldade mas compensa com recompensas generosas, uma clara piscadela de olho ao estilo irreverente da dupla criativa.

Visualmente, Hotel Barcelona apresenta um misto de The Missing até na sua paleta de cores, com um cell shading que à primeira vista parece meio desleixado, mas que acaba por lhe dar ainda mais charme ao longo das runs. É aquele bonito porque às vezes é feio. Já vimos isto antes nos jogos de Swery. Algumas cutscenes são feitas num estilo anime do final dos anos 80, e é brilhante. O conceito da narrativa contado desta forma é uma lufada de ar fresco no estilo. O problema é que, apesar desta mescla funcionar, a framerate nem sempre acompanha. Quem se lembra do estado de Deadly Premonition 2 na Switch sabe exatamente do que estou a falar, momentos em que parecia que estávamos a jogar um PowerPoint interativo (já agora, podem ler a review da Joana aqui). Neste título, felizmente, não chega a tanto, mas ainda assim nota-se as quebras de quadros, e acaba por estragar um pouco a imersão.

No gameplay, a base é a de um metroidvania tradicional. Funciona bem, mas não traz nada de novo ao género. O que chama a atenção são alguns detalhes curiosos: fraturas que bloqueiam o double jump, estados como queimadura ou encharcado (que até podem interagir entre si), e um sistema que te obriga a gastar tudo o que apanhaste no fim de cada run, porque perdes os itens ao recomeçar. Não muda o género, mas dá-lhe um pouco de personalidade.

No combate, tens ataques leves, pesados e também uma arma de fogo. O problema é que há um grande desequilíbrio entre as armas. Os machados, por exemplo, acabam por ser quase inúteis: são fortes, mas demoram tanto a carregar (1 a 2 segundos por golpe) que normalmente és castigado antes de acertar. Como não podes cancelar o ataque depois de o começar, a coisa torna-se arriscada e frustrante. Além disso, várias vezes tentei atacar e o comando não respondeu, ao ponto de achar que o meu comando da Xbox tinha algum defeito, até chegar à conclusão que não. É um delay enorme e uma falta de resposta que chega a frustrar o jogador.

Por outro lado, existe um escudo e um sistema de parry que funcionam relativamente bem. O mais interessante é a barra chamada Skull Gauge: quando cheia, liberta um ataque especial que limpa todos os inimigos do ecrã (menos os bosses). Essa barra esgota rápido, e é preciso atacar e decepar inimigos para a manter ativa. Outro detalhe original é o sistema dos fantasmas, ou os chamados Slasher Phantoms: cópias tuas de runs anteriores, que repetem exactamente as tuas ações passadas. Não são só figurantes como num jogo de corrida, estas causam dano e ajudam bastante, sobretudo nas batalhas contra bosses.

Hotel Barcelona é tudo aquilo que esperaríamos de um encontro entre SWERY e SUDA51: estranho, imperfeito e até frustrante em alguns momentos, mas também criativo, carismático e impossível de ignorar. Não é um metroidvania capaz de agradar a todos, mas quem entrar neste universo de humor negro, personagens extravagantes e mecânicas peculiares, vai encontrar aqui uma experiência tresloucada mas não memorável.

Agradecemos gentilmente à editora pela cópia digital cedida para análise.

CONCLUSÃO
Blood and guts
7
Igor Gonçalves
Curioso, explorador, e fã de videojogos desde que me lembro, e em especial pela saga Metal Gear. Não jogo plataformas, jogo jogos.
hotel-barcelona-analiseNo fim de contas, Hotel Barcelona é um jogo que vive da sua estranheza. É imperfeito, tem problemas técnicos e um gameplay que cumpre sem brilhar, mas a verdade é que há sempre um charme e identidade Swery, seja do enredo, das personagens ou do estilo surreal do seu visual. Não é para todos os fãs do género, mas quem aprecia a irreverência de cult destes dois personagens, vai encontrar aqui um título em cheio no que toca a loucura criativa.