“Não vou conseguir fazer review disto.” Foi o meu primeiro pensamento após a primeira hora de jogo. Um misto de frustração e impotência perante os comandos que simplesmente pareciam não colaborar comigo, quase me fez desistir. E confesso que a tentação foi grande, sobretudo tendo à espera AAA como Silent Hill F e Metal Gear Solid 3 Delta no backlog. Mas decidi insistir. Era um compromisso, e o mínimo a fazer oera obrigar-me a continuar. E, no fim, agradeço por não ter desistido.
A história é parva, a jogabilidade e os controlos são igualmente parvos, o nosso protagonista é um falhado, o início convida-te a desistir, e no entanto o jogo torna-se viciante e até se sente um gostinho a pouco quando acaba. Como é que poderei explicar este fenómeno a quem está a ler este artigo? Honestamente, não sei.
À primeira vista, se não tivesse sido mostrado nos eventos da Playstation, Baby Steps dá a impressão de uma piada prolongada demasiado tempo, um jogo feito para gozar com o próprio jogador, com o protagonista, e com toda a ideia de crescimento pessoal. Mas é precisamente esse o truque: por trás das quedas, das falhas, do rage, há uma mensagem profunda sobre autodescoberta, paciência e aceitação. O novo projecto de Bennett Foddy (o criador de Getting Over It e QWOP), em parceria com Gabe Cuzzillo (Ape Out), é uma mistura improvável entre comédia existencial e experiência de destreza física.
Controlamos Nate, um falhado de trinta e poucos anos que vive ainda na casa dos pais, desempregado, sem rumo e sem propósito, que passa a vida a jogar enquanto come cheetos. Um dia, sem grandes explicações, acorda num mundo montanhoso, onde o único objectivo é pôr um pé à frente do outro literalmente. Aqui não há combates, coleções de loot ou grandes narrativas épicas. Há apenas Nate, o seu corpo e o desafio constante de não cair, e muita bizarrice (incluíndo zonas genitais).
O controlo é o coração (e o inferno) de Baby Steps. Cada perna é controlada individualmente, e o peso do corpo precisa de ser distribuído com cuidado para manter o equilíbrio. Usar o comando transforma-se quase num exercício de coordenação motora: gatilhos para levantar cada perna, analógicos para orientar o peso, e a câmara para ajudar a perceber onde é que o pé vai aterrar. No início, parece impossível (daí a ter quase desistido), o Nate é desajeitado, cambaleante, uma caricatura viva do “andar em público pela primeira vez”. Mas, aos poucos, cada movimento começa a fazer sentido.
É este o verdadeiro “gancho” do jogo: a progressão não vem de subir de nível ou desbloquear habilidades, mas de nos tornarmos melhores a andar. É como aprender a tocar guitarra, custa, é doloroso, repetitivo, mas profundamente satisfatório quando algo começa a fluir naturalmente.
Em Baby Steps, falhar é inevitável, mas também é essencial. Nate cai, escorrega e rebola colina abaixo dezenas de vezes. Muitas dessas quedas fazem-nos regressar metros ou até quilómetros atrás. Contudo, os criadores tiveram a inteligência de desenhar os níveis de forma a que cada falha revele algo novo: um caminho alternativo, um diálogo inesperado, um detalhe que antes nos escapou.
E é aqui que o jogo ganha o seu encanto. Cada vez que recomeçamos, poucas são as vezes que achamos que perdemos tempo. Pelo contrário, há sempre a sensação de que aprendemos algo, sobre o jogo e sobre nós próprios. A paciência é recompensada com momentos de calma, humor absurdo e pequenas vitórias que sabem a glória.
O humor, aliás, apesar de não ser para todo o tipo de pessoa, é definitivamente para mim, e trata-se de uma das maiores forças de Baby Steps. Nate é um personagem patético, mas nunca ridicularizado cruelmente. O jogo ri-se dele, sim, mas com empatia. As conversas são embaraçosas, os silêncios longos, as piadas deslocadas, e tudo isso faz parte do charme. O tom lembra muito The Office, onde o desconforto é tão grande, que se torna parte de tudo aquilo que é vivenciado como um core, e acaba por se tornar reconfortante.

Visualmente, o jogo é feio, mas ao mesmo tempo é surpreendentemente bonito. O estilo é minimalista, com vida: colinas verdes, penhascos que metem medo, vales cobertos de neblina. Tudo parece intocado, quase sereno, um contraste delicioso com o caos constante que é controlar Nate. O mundo é semiaberto, e embora exista um caminho principal a seguir, há inúmeros recantos para explorar, mas se andares sempre em frente, vais notar que o mapa simplesmente se está a loopar para ti.
A sensação de descoberta é constante. Há personagens excêntricos para conhecer, chapéus para apanhar (não me perguntem porquê), frutas maravilhosas para experimentar, e pequenas interações que acrescentam textura à jornada. Mesmo quando não há recompensa visível, há sempre algo que nos faz sorrir, seja um detalhe, uma animação, ou alguma frase absurda, nem que seja um gemido novo de queda do nosso protagonista.
A música e o som ambiente são a parte menos imersiva da experiência. Em vez de uma banda sonora tradicional, Baby Steps aposta em sons naturais: grilos, sapos, e pássaros que reagem ao nosso progresso. Por vezes, esses sons criam um tipo de batida estranha, que se nota claramente ser ausente no acompanhamento visual. Há momentos que são tão aguçados os sons, que se torna difícil de aguentar. Jogar com o spotify ligado não vos faz mal nenhum.
É importante dizer: Baby Steps pode ser profundamente frustrante. Se não gostas de jogos como Getting Over It, Only Up ou A Difficult Game About Climbing, talvez esta experiência te pareça mais tortura do que diversão. O jogo exige paciência, e recompensa o esforço de forma muito subtil, sem troféus, sem loot, sem aplausos. Às vezes, o prémio é simplesmente chegar ao topo e ver a vista. Mas para quem se deixar envolver, Baby Steps acaba por qualquer fenómeno, de se tornar quase terapêutico. É sobre cair, levantar, e aprender a rir de si próprio. Sobre aceitar que o progresso nem sempre é linear, que a falha é parte do processo.
Um agradecimento especial para a Cosmocover que nos cedeu gentilmente uma chave para análise.