Há jogos roguelite que mexem connosco de forma quase mística. E depois há Ball x Pit, que é basicamente uma substância controlada. “Mais uma run, só mais uma run”, digo eu, de olhos completamente inchados às três da manhã, com a produtividade do dia seguinte a dissolver-se mais rápido que uma aspirina, que eventualmente precisarei de ingerir. Este jogo é perigoso, não porque seja mau, é mais o contrário: demasiado bom.

Desenvolvido pela Kenny Sun que desconhecia por completo, e publicado pela gigante dos indies Devolver Digital, Ball x Pit pega na velha fórmula de Breakout e dá-lhe uma dose de cafeína estilo roguelite, e uma pitada de loucura criativa. A ideia é simples (pelo menos ao início): escolher uma personagem, descer de elevador até ao abismo, o tal Pit mencionado no título, e começar a disparar bolas contra hordas de inimigos em níveis cada vez mais caóticos. Mas claro, o jogo rapidamente prova que não tem nada de simples.

Cada inimigo derrotado larga ouro, experiência e recursos, e a cada nível ganho és forçado a fazer uma daquelas decisões viciantes: apanhas uma nova bola, escolhes um novo bónus passivo, ou melhoras o que já tens? E quando chegas a nível 3, o vício intensifica-se. Porque é aí que o jogo desbloqueia o seu verdadeiro encanto: as fusões. Junta uma bola de fogo a uma bola fantasma e obténs algo que suga almas e devolve vida. Combina lasers horizontais e verticais e ficas com uma cruz divina de destruição total. É alquimia digital, por menos de 15€.

E há algo de fascinante na forma como tudo flui. As combinações parecem ser imensas, e quanto mais jogo, mais as descubro. A cada run há sempre uma nova sinergia que muda completamente o ritmo do jogo. Uma build perfeita é quase uma obra de arte: uma mistura entre estratégia, sorte e aquele toque de insanidade que faz parte do ADN dos títulos em que a Devolver Digital confia. Há runs em que me sinto um Deus das bolas (perdoem-me, tive de fazer esta piada) do caos a vaporizar monstros; noutras, um idiota que não acerta uma bola. E adoro as duas experiências na mesma medida.

Mas o Pit não é tudo. Literalmente. Depois de cada tentativa (ou morte humilhante), regressas à superfície, onde podes investir os teus ganhos na reconstrução de uma vila. As construções não são apenas decorativas, oferecem bónus, desbloqueiam novas personagens e ampliam o arsenal de habilidades. Tudo encaixa num ciclo delicioso de tentativa, melhoria e progresso tangível. Até a parte de construir é um mini-jogo viciante: tens de organizar edifícios tipo Tetris, aproveitando cada espacinho de terreno, como se estivesses a jogar aqueles títulos miniclip característicos.

E é aí que Ball x Pit se torna ainda mais perigoso. Porque o jogo não te larga nem quando não estás na ação. Quando achas que é hora de descansar os olhos das explosões e dos reflexos, ele dá-te um mini-jogo de gestão e otimização que é igualmente hipnotizante. Passas minutos (ou horas, sejamos sinceros) a ajustar edifícios, a plantar trigo e a decidir se o moinho deve ficar ao lado da mina para maximizar o bónus de experiência. Isto devia ser entediante, mas não é. É terapêutico, perigoso e viciante.

O combate é frenético, mas também táctico. Não é só mandar bolas e rezar é saber posicionar-te, prever ângulos, e usar os upgrades certos. E quando as bolas se começam multiplicar, a saltar, a explodir e a criar cadeias de destruição em ecrãs cheios de cores e números, há algo de quase meditativo no caos. É o tipo de jogo que te faz desligar o cérebro racional e entrar num transe de pura satisfação sensorial.

As personagens, por sua vez, são um dos grandes trunfos do jogo. Cada uma muda a forma de jogar de maneiras absurdamente criativas. O cavaleiro que reflecte bolas é um clássico, mas depois há o assassino que ataca de cima, o táctico que transforma o jogo num turn-based, e o Radical, que basicamente é uma IA que joga sozinha; vejam a insanidade da coisa.

Em termos de progressão, o jogo é um exemplo brilhante de game design. Tudo o que fazes serve um propósito: cada morte traz-te um recurso novo, cada upgrade desbloqueia uma camada adicional de complexidade, e cada vitória sabe duplamente bem porque foi conquistada com suor (e provavelmente cafeína). Há sempre algo novo para desbloquear, seja uma personagem, uma fusão ou uma peça de construção, e essa constante sensação de recompensas mantém-te preso como um hamster numa roda feita de dopamina e pixels.

Visualmente, Ball x Pit é apelativo, ainda que não seja belíssimo. Os sprites têm um ar de nostalgia, e os efeitos de partículas fazem parecer que o ecrã vai explodir no bom sentido da coisa. A direção artística tem um toque psicadélico que encaixa perfeitamente aqui. Os bosses parecem saídos de uma mistura de Undertale com Hotline Miami, uma mistura diferente de digerir. Tudo isto é acompanhado pela banda sonora de Amos Roddy, que já me tinha conquistado com o jogo Kingdom. É dinâmica, cresce com o combate e fica imediatamente na tua cabeça.

E se há algo que Ball x Pit prova, é que a Devolver Digital continua a ser mestre em encontrar pérolas indie que se transformam em obsessões coletivas. O estúdio tem o dom de pegar em talentos que trazem muitas vezes conceitos antigos, e reinventá-los com um toque moderno, louco e irresistível. É o mesmo tipo de génio que vimos em Vampire Survivors ou Cult of the Lamb: ideias simples, executadas com alma e personalidade.

Claro que nem tudo é perfeito. Há momentos em que o ecrã se torna um carnaval visual difícil de seguir, e algumas runs podem ser frustrantes se a sorte não estiver do teu lado. Mas, sinceramente, isso faz parte do charme. Tal como um vício qualquer, há sempre o risco de frustração, mas quando acertas aquela combinação perfeita de bolas e poderes e vês o campo inteiro explodir em luz e som, é pura catarse digital.

No fim, Ball x Pit é uma celebração do vício, da experimentação e da criatividade no design de jogos. É daqueles títulos que não só honram o passado como também o reinventam. E o melhor (ou pior) é que cada run te convence de que a próxima vai ser aquela perfeita. Spoiler: nunca é. Mas vais tentar mesmo assim.

Se ainda tens dúvidas, vai lá à Steam e experimenta a demo. Foi claramente desenhada por alguém que estudou psicologia do vício e decidiu aplicá-la em videojogos. Depois não me culpes se começares a medir o tempo em runs em vez de horas, ou se deres por ti a dizer que vais só ‘descer mais uma vez à fossa’.

Qualquer semelhança entre esta review e um caso clínico de dependência é pura coincidência. Acho eu.

Um grande agradecimento à Devolver Digital e à Cosmocover pela cedência de uma cópia digital para análise. O título foi testado numa PS5.

CONCLUSÃO
Viciado Crónico
10
Igor Gonçalves
Curioso, explorador, e fã de videojogos desde que me lembro, e em especial pela saga Metal Gear. Não jogo plataformas, jogo jogos.
ball-x-pit-analiseVou ser directo e simples, quase não dava um 10, não por falhas técnicas, mas porque o jogo praticamente destruiu a minha relação com o despertador. Ball x Pit é o tipo de jogo que devia vir com um alarme integrado, não para avisar quando ganhas, mas quando já devias estar a dormir há três horas. É simplesmente brilhante!