Nos últimos dias sentei-me para testar o Football Manager 2026 na Steam com aquela rotina quase ritual: café ao lado (antes era leite com chocolate), editor de táticas pronto, a expectativa de mergulhar em mais uma época que me roubaria horas de sono. E… não aconteceu. Aquele friozinho de abrir um novo FM não apareceu. O que encontrei foi um jogo que tenta parecer novo por fora, mas por dentro empurra-nos para um território estranho e, demasiadas vezes, frustrante.
Comecemos pelo elefante no balneário: depois de dois anos de espera, é grave receber um package “completo” assim. A série sempre foi sinónimo de continuidade e cuidado, mesmo quando evoluía pouco, afinava. Aqui, a SI trocou o conforto por um salto para o Unity que, honestamente, soa mais a mudança de tinta do que a alicerces reforçados. Sim, há relvados mais agradáveis e animações pontualmente mais naturais; sim, a iluminação tem momentos bonitos; mas a troca cobrou um preço alto onde a marca era rainha: a acessibilidade. FM sempre correu em máquinas modestas, era quase um orgulho da série, e em 2026 essa bandeira caiu. Em hardware mais fraco, o jogo engasga, perde fluidez no dia de jogo e obriga a baixar tudo para o mínimo ou a regressar ao 2D para manter ritmo. Não é só uma questão de “os gráficos são pesados”; é uma decisão de design que exclui parte do público que fez a saga crescer.
O motor de jogo, visto em campo, é um case study de metade do caminho. Há lances que brilham e outros que parecem ensaios falhados. A física da bola alterna entre o convincente e o bizarro; a movimentação sem bola volta a cair na velha rigidez; e a tomada de decisão da IA continua a tropeçar em situações que deviam ser básicas. É aquele extremo que, em vez de pressionar a saída simples, decide rodopiar sobre si mesmo e perder a bola, e não por causa do jogador virtual, mas porque o sistema não sabe muito bem o que quer ser. O resultado é uma imersão que se quebra nas costuras, especialmente quando um passe de cinco metros sai para fora porque a animação e a decisão não “falam” a mesma língua.
Mas a tragédia final vem na interface. A promessa era modernizar e simplificar; a prática, porém, parece um labirinto de mosaicos e cartões onde tudo demora mais um ou dois cliques do que devia. A clássica barra lateral, que nos guiava como GPS, desapareceu para dar lugar a áreas limpas mas vazias de função. O novo Portal, a tal página central tanto anunciada, rapidamente se transforma em poluição visual quando o correio enche. E o voltar que não nos leva onde estávamos, e os filtros que se resetam, e o piscar de ecrãs entre menus, e, e, e… São já demasiados problemas para a base do que era Football Manager. É o tipo de UX que transforma tarefas rotineiras (espreitar staff, afinar treinos, gerir propostas) num exercício de paciência. E sim, podemos habituar-nos. Mas habituar-nos a um fluxo menos prático não é elogio: é resignação.
A nível de ideias, há uma luz que merece ser apontada: o Controlo Tático Dual, com planos distintos para posse e não-posse. Na teoria, é ouro: reflete a evolução real do jogo e dá-nos ferramentas para moldar equipas ao nosso bel-prazer (o extremo que fecha como avançado, o lateral que interioriza, a construção a três sem a bola), um festival de doces para os nerds do futebol. Na prática, falta cola. As transições demoram, os reposicionamentos perdem-se, e a IA parece não acompanhar a granularidade que agora pedimos. O efeito é pior: muitos acabam a simplificar para voltar a esquemas antigos, não por escolha tática, mas para evitar caos. Quando a melhor maneira de usufruir de uma novidade é fugir dela, algo ficou pelo caminho.
No resto da gestão, o tempo extra não se traduziu em camadas humanas mais ricas. As conferências repetem-se com o déjà-vu habitual, as dinâmicas de balneário resolvem conflitos com uma “frase certa” quase mágica, e o mundo fora das quatro linhas continua mais estático do que devia. Onde estão as tramas imprevisíveis, as pressões mediáticas reais, os egos difíceis que não se apagam com um aperto de mão virtual? É aqui que FM costuma brilhar quando quer, na simulação social, e é aqui que FM26 parece ter estacionado.
Faltam também peças que foram prometidas como pilares da nova era. O futebol feminino chegou? Óptimo, mas a cobertura de ligas e nações no lançamento é tímida, diluindo o impacto de um passo importante. A gestão de seleções, elemento querido por muitos, não arrancou de início; e lançar para completar depois cansa uma comunidade que esperou dois anos. No lado estético, outra dor antiga não sarou: continuam com caras que oscilam entre o genérico e o estranho, managers personalizados mantêm aquele ar de boneco inacabado, e numa edição que se vende como a mais bonita, estes pormenores arrancam-nos da ilusão.
A experiência diária sofre com pequenos cortes que somam muito. O centro de dados perdeu filtros finos; a análise pós-jogo carece de ferramentas visuais que eram cruciais (mapas de calor, redes de passe consistentes); a gestão de treinos e recrutamento exige mais janelas e confirmações do que sentido comum. Transferências, outrora o Natal de qualquer save, perderam charme entre pop-ups, atrasos e passos redundantes. Até pequenas manias que nos acompanhavam — arrastar jogadores para descansar, guardar onzes tipo com dois cliques — ficaram mais duras, mais janky. E quando a própria navegação dá soluços em máquinas sólidas, é difícil atribuir tudo a gostos.
Há méritos, claro. No dia de jogo, quando tudo alinha, há golos bonitos, combinações que nos fazem sorrir e aquela sensação, tão FM, de ver uma ideia transformar-se em jogada. O novo radar de resumo contínuo tem potencial para quem prefere acompanhar tudo a um ritmo acelerado. E percebe-se uma vontade de integrar melhor áreas antes dispersas (transfer room mais útil, grupos de trabalho mais claros, progressão técnica mais legível). Só que tudo isto parece embrulhado numa estreia que precisava de mais tempo de forno, ou de menos ambição mal distribuída.
A sensação final é a de um ano de transição… pesado. A SI quis virar a página, mas, ao fazê-lo, esqueceu parte do texto que dava corpo ao livro. O Unity trouxe uma mão de tinta, sim, mas também rachaduras de performance; a UI quer ser 2026, mas trabalha contra nós; as ideias de tática são modernas, mas a simulação que as devia sustentar não está calibrada. E, talvez o mais triste: desapareceu a magia de abrir um novo FM. Tudo soa mais artificial, menos vivo, como se estivéssemos a interagir com um mockup bonito de algo que adoramos, mas que ainda não é aquilo.
Para quem joga FM há décadas, dói escrever isto. Eu queria amar este capítulo. Em vez disso, encontro-me a recomendar prudência: se tens um PC modesto, FM26 vai castigar-te; se vives da rotina de menus rápidos e data viz elegante, prepara-te para tropeçar. Se esperaste dois anos por uma revolução, o que encontras é um estirador cheio de boas ideias e pouca cola. Vai melhorar? Provavelmente, a série tem histórico de recuperação. Mas julgado pelo que é hoje, no lançamento, pede demasiado em troca de pouco.
Um agradecimento especial à editora pela cópia digital para análise.

































