Uma viagem intensa, sombria e original: Hell is Us, é o novo título da Rogue Factor, e distribuído pela Nacon. Como descrever este jogo? Trata-se de um Soulslike no seu estilo de combate e algumas mecânicas de exploração, mas sem as habituais raízes do que é um jogo Souls, o farming e a repetição.

Hell is Us é uma experiência muito única desde os primeiros momentos que pegamos no comando. É um jogo que optou por dispensar de mapas e HUDs complexos, criando uma imersão pura onde cada nota ou conversa que colectamos pelo mapa, ganha ainda mais peso na tua navegação e compreensão daquele universo desolado de Hadea. O resultado desta ausência é um ambiente carregado de tensão a cada esquina, mistério e uma melancolia muito própria que já há muito não sentia num videojogo.

Este é um mundo de guerra, apatia e desumanização. A história desenrola-se em Hadea, um país fictício mergulhado numa guerra civil, sombrio e cruel, onde a população está dividida entre facções rivais: os Sabinianos e os Palomistas. A esta luta junta-se ainda a grande estrela narrativa e misteriosa do jogo: uma ameaça constante de criaturas sobrenaturais chamadas Hollow Walkers, imunes a armas de fogo, tornando o mundo não só violento, mas também imprevisível e sufocante. Controlamos Remy, um cidadão nativo de Hadea que foi contrabandeado para fora do país ainda em bebé, para ser criado no Canadá. Ele regressa à sua terra natal à procura dos seus pais, e vê-se envolvido neste terrível clima, onde constantes execuções e conspirações dominam as facções.

Com os conflitos que vivemos hoje (que cada vez se parecem mais intensificar), é tão fácil se sentir tocado por esta narrativa. Cada personagem tem uma história, um sentimento, um rancor, e Hell is Us faz questão de nos mostrar constantemente o peso de uma guerra, tanto nas cidades e paisagens destruídas pelo homem, mas como nas próprias pessoas. Vês personagens marcadas pela apatia, pelo medo, pela crueldade ou simplesmente pelo cansaço de viver num mundo em ruínas. Comparo esta força da narrativa a Spec Ops: The Line, um jogo que tal como Hell is Us, retrata muito bem o que é estar em primeira pessoa naquele turbilhão de sentimentos.

Chegamos ao combate, onde um soulslike normalmente se destaca, algo que contrasta aqui com Hell is Us. Não é que seja mau; mantém-se fiel à tradição dos soulslikes: Uma barra de vida, stamina, e acções que a vão drenando como golpear, rebolar, bloquear e parry. É exigente, tenso e estratégico, e até temos a presença de um drone que nos ajuda a distrair os inimigos, ou a dar-nos um pequeno impulso de combate. A stamina depende da saúde, e apesar de duas barras distintas, funcionam como uma só. Ao seres muito ferido, ficarás incapaz de desferir menos golpes, daí a importância de gerir bem os recursos de vida como os medkits. Há uma energia sobrenatural que faz parte da narrativa e que não explorarei muito, mas pode ser usada para carregares ataques e te auxiliar muitas vezes em combate.

Não existem as bonfires, mas sim uns pontos de salvamento que te permitem não apenas gravar o progresso, como viajar até ao teu APC, uma carrinha de guerra que consegues tornar tua logo nas primeiras horas de jogo. A vantagem, é que caso morras num combate, todos os colecionaveis, diálogos desbloqueaveis de puzzles e itens que apanhaste, continuam teus. Não há cá pontos de experiência perdidos como um souls, ou inimigos a dar respawn, e isso é uma lufada de ar fresco no estilo.

O maior problema, é que estmaos tão habituados a um combate da FromSoftware, que ficamos mal habituados quando nos é apresentado em pequena escala, e se torna fácil detectar alguns problemas. O combate de Hell is Us é repetitivo, não só pela quantidade de inimigos, mas como as abordagens estratégicas. Parece que não evolui, com pouca exigência das lutas. É estranho, mas mistura dificuldade que mais considero ser mecanismo, do que emoção e desafio. À medida que avanças, se fores como eu, vais ver que apenas vai valer a pena te focares numa só arma. Isto, pelo material necessários para a melhorar, como também pelo facto de poderes evoluir a arma com a experiência ao finalizar as criaturas.

Existe um ferreiro onde podes melhorar armas e defesas dos teus equipamentos. Quando fazes o primeiro upgrade de uma arma, terás que escolher entre poderes para a mesma: Rage, Ecstasy, Grief, Terror. Depois do upgrade, a tua arma fica limitada a uns certos glifos que podes encaixar nelas. Honestamente, não vi grande diferença entre estes 4 poderes, que servem apenas para limitar um pouco as tuas armas.

Os inimigos não mudam muito ao longo do jogo. Vais lutar contra os mesmos tipos de inimigos; e depois de os decorares as suas movimentações, acaba por facilitar um pouco a jornada. Tal como mencionei anteriormente, existem equipamentos para aumentar os teus níveis de defesa e HP. Cada uma dessa vestimenta tem um terceiro modificador bónus, a maioria exigindo condições específicas para a sua activação. É interessante, mas uma vez mais é muito minimalista, com pouca opcção e vontade para explorar, dada a escassez dos materiais.

Hell is Us está carregado de puzzles, requintados e por vezes complexos. Isto irá depender um pouco do teu nível de paciência e atenção, mas se fores como eu, acharás que se evitava alguns deles. Há puzzles dentro de puzzles, há segmentos frustrantes em que basta não estares atento a uma simples frase, que terás que rebobinar toda a interacção para chegares à solução. Para mim, foram esses os mais difíceis; por eu ter interpretado mal o que me pediam, em vez de seguir as pistas e estar atento; literalmente. A vantagem sobre os puzzles obrigatórios para progredir e os opcionais, são a sua dificiludade. Normalmente, os de progressão são mais simples, com poucos mecanismos ou combinações, não elevando a dificuldade.

O sistema de fast travel também está presente: só podes aceder ao mapa ou viajar de forma não directa a partir de determinados locais (como dentro da APC ou pontos de salvamento), reforçando essa ideia de que a navegação deve ser pensada e merecida, convidando-te a usar mais as pernas virtuais e menos a cabeça. Isto claro, valendo apenas para algumas áreas.

O visual é de altíssimo nível, com cenários que impressionam pela forma como retratam um país dilacerado pela guerra. Cidades destruídas, campos abandonados, sangue e um ambiente poeirento marcam cada esquina. As criaturas estão muito bem concebidas, com silhuetas inquietantes que reforçam a sensação de estranheza e desconforto mesmo antes do combate com cada uma delas.

A música é outro pilar: uma banda sonora incrível, sempre misteriosa e tensa, que não só ajuda na imersão, como amplifica o peso da guerra que se sente em cada passo. É aquele tipo de banda sonora que me lembrou Returnal (que curiosamente me trouxe algumas destas sensações de imersão idênticas), mas que aqui encontra o seu próprio espaço, encaixando na narrativa como se fosse mais uma personagem invisível, dando muita vida a este incrível projecto da Rogue Factor.

Um agradecimento à Upload Distribution pela cedência de uma chave digital para análise!

CONCLUSÃO
Inquietante
8
Igor Gonçalves
Curioso, explorador, e fã de videojogos desde que me lembro, e em especial pela saga Metal Gear. Não jogo plataformas, jogo jogos.
hell-is-us-analiseHell is Us é uma viagem intensa e sombria pela guerra civil de Hadea. Com um visual impressionante, criaturas inquietantes e uma banda sonora incrível que eleva a imersão, o jogo da Rogue Factor distingue-se pela narrativa crua e pela atmosfera sufocante. Apesar do seu combate repetitivo e mediano, os puzzles, a exploração sem HUD imersiva e a tensão constante tornam esta experiência única no género.