Há jogos que nos surpreendem pela inovação, outros pela ambição, e depois há aqueles que nos tocam por algo muito mais simples: a sensação familiar de regressar a um lugar onde já fomos felizes. Marvel Cosmic Invasion, a nova aposta da Tribute Games com publicação da DOTEMU, encaixa perfeitamente nesta última categoria. Posso ser suspeito nesta review, porque para mim, foi um verdadeiro portal para os anos 90, para aquele miúdo que ficava colado à SNES do meu amigo Leandro a devorar beat ’em ups, sem preocupações, sem contas para pagar, sem relógio a controlar. Apenas pura diversão. No entanto, não se deixem enganar pela minha nostalgia. Este jogo é mais um clássico da DOTEMU.
E essa é, talvez, a maior força deste título: a forma como recria uma época que já não volta, mas que podemos revisitar e até mostrar às novas gerações. Há aqui uma simplicidade tão natural, tão honesta, que me fez pensar se isto não será já parte da filosofia da DOTEMU, tal é a consistência que nos faz passar por estas sensações. Se a intenção era criar algo divertido, imediato e sem complicações, então acertaram em cheio.
A Tribute Games, que já nos tinha trazido recentemente o excelente TMNT: Shredder’s Revenge e muito mais, volta a mostrar que domina como poucos a arte de capturar a alma dos beat ’em ups clássicos. Só que desta vez juntou-lhe o charme, o carisma e o talento de alguns dos maiores heróis da Marvel. O resultado é um tributo belíssimo tanto ao género como ao universo que representa, um daqueles casamentos raros em que tudo parece encaixar com naturalidade.
Desde o primeiro minuto somos inundados por referências, acenos e detalhes visuais que os fãs vão reconhecer de imediato. Mas o melhor de tudo é que não é só “fan service”: Marvel Cosmic Invasion é realmente um bom jogo, com ideias próprias, ritmo cativante e mecânicas que dão mais profundidade do que aquilo que aparentam.
O alinhamento inicial conta com 11 heróis, aos quais se juntam outros 4 desbloqueáveis, formando um elenco de 15 personagens distintas. Homem de Ferro, Capitão América, Homem-Aranha, Wolverine, Pantera Negra, Rocket Racoon, Storm, Nova… a lista é variada o suficiente para agradar aos fãs mais dedicados.
Apesar de partilharem bases semelhantes, o típico ataque fraco, ataque especial, salto e alguns movimentos especiais, a verdade é que cada herói tem nuances que alteram por completo a forma de jogar. Alguns podem voar, como Nova ou a Storm, enquanto outros, como o Capitão América, nem sequer têm duplo salto. Uns têm parry, outros não. O Homem-Aranha, por exemplo, aposta na agilidade e velocidade, perdendo acesso ao parry mas ganhando em mobilidade. Isto traz uma diversidade de movimentação e golpes, e resulta lindamente em mais das variadas combinações. Estas diferenças não só tornam as lutas mais variadas, como incentivam a experimentar tudo o que o jogo tem para oferecer.
Tal como nos clássicos, cada personagem tem uma barra de vida e uma de foco, esta última usada para executar os ataques especiais. O foco pode ser recuperado ao derrotar inimigos ou destruindo elementos do cenário e apanhando o que fica por ali, o que mantém o ritmo sempre acelerado. Os especiais variam imenso. O Homem de Ferro dispara um feixe frontal devastador, mas que ignora inimigos laterais. Já o Homem-Aranha lança teias num movimento circular que atinge praticamente o ecrã inteiro, um piscar de olho aos seus jogos mais modernos, como o Spider-Man da Insomniac.
Mas o toque realmente interessante está nas habilidades passivas únicas de cada herói. Um dos exemplos é a Mulher-Hulk, que causa mais dano nos três ataques seguintes após arremessar um inimigo; o Homem de Ferro ganha munição infinita por alguns segundos sempre que faz parry a um projéctil; outros recuperam foco mais rapidamente ou ganham bónus temporários de dano. São detalhes que dão vontade de experimentar combinações e misturas entre dois heróis, porque sim, podes alternar entre dois a qualquer momento.

E já que falamos em alternar heróis, a mecânica de trocar entre estas duas personagens em pleno combate é um dos elementos mais frescos de Marvel Cosmic Invasion. Além de servir como salvaguarda quando estamos prestes a ser agarrados ou encurralados, permite também prolongar combos de forma deliciosa. É quase como ter uma tag team dentro de um beat ’em up tradicional, e fica surpreendentemente natural no fluxo das batalhas.
À medida que passamos fases, os nossos heróis vão evoluindo. Nada demasiado complexo, mas suficiente para manter o interesse: mais vida, mais foco, habilidades passivas, novas paletes de cor para os fatos e outras pequenas melhorias. Não há um sistema de RPG profundo aqui, nada disso, mas existe progressão suficiente para sentirmos que estamos sempre a ganhar algo.
O cofre é outro destaque interessante. Aqui podemos acompanhar o progresso individual de cada personagem, gastar Cubos Cósmicos numa espécie de Matrix cheia de extras, como descobrir curiosidades, desbloquear fatos alternativos e até ouvir faixas da excelente banda sonora de Tiago “Tee” Lopes, que mais uma vez mostra porque é um dos melhores compositores da indústria retro-inspirada.
Se jogaram Shredder’s Revenge, já sabem o que esperar a nível artístico, algo dentro da excelência. Os sprites são lindíssimos, extremamente detalhados e animados com um charme que mistura nostalgia com frescura. Nova Iorque, o Helicarrier, Wakanda… cada cenário tem pequenos segredos, detalhes visuais e elementos vibrantes que vão arrancar sorrisos aos fãs mais atentos da Marvel. A Tribute Games tem claramente uma sensibilidade rara para este tipo de pixel art, e aqui volta a brilhar.
A narrativa da campanha é contada através de pequenos quadradinhos de BD, nunca passa de um pretexto para avançar, mas sinceramente, num título deste género não sinto falta de algo mais complexo. O foco está no combate, nas personagens e na progressão. O que importa é que tudo funciona e nunca interrompe o ritmo. Cada fase traz também uma lista de desafios próprios. Recomendo vivamente verificar quais são, porque além de incentivarem a usar heróis específicos, ajudam a integrar melhor cada personagem na história e até facilitam a progressão. O único elemento que gostaria que fosse um pouco diferente, é a variedade de inimigos, que é muito pouca se compararmos aos títulos do género.
Um agradecimento especial à Cosmocover por nos terem cedido uma cópia digital para análise.

































