Hoje em dia, comprar um jogo no seu lançamento é simplesmente suicídio financeiro assistido.

O consumidor inteligente vota com a sua carteira, lançando os dados para uma industria que já tem mais que maturidade para saber interpretar que há muito que deixou de vender para uma faixa etária governada pelo dinheiro dos pais. Aliás, hoje em dia são os próprios pais a quererem comprar os jogos para seu belo prazer e a escolher os conteúdos para os filhos. Somos um público mais maturo, e informado, que cresceu a seguir de perto o desenvolvimento do mercado desde os seus primórdios tecnológicos e que nunca conheceu outra situação se não o de recessão financeira. Uma razão porque sabemos valorizar os jogos, vivemos uma época em que recebíamos 2 jogos por ano no máximo e a muito esforço económico dos nossos país. Escrutinávamos tudo para esticar ao máximo a experiência. Repetíamos vezes e vezes sem conta os mesmos jogos até esses entranharem na nossa memória muscular, porque passavam-se estações inteiras até que pudéssemos voltar a ter uma experiência nova. Época que não podemos deixar que volte!

Somos um público cuja idade média estimasse agora rondar os 36 anos, segundo os dados publicados pela ESA em 2024. O consumidor médio norte americano enquadra-se nos 46% dos jogadores que correspondem à faixa etária que vai dos 18 aos 50 anos de idade. Acima dos 50, encontramos mais 24% da massa consumidora, ficando apenas 1 terço restante a representar a faixa de menores de idade e uma esmagadora maioria (70%) de público adulto assalareado que gere a sua própria carteira como munição para praticar a sua democracia e sabendo que a vida conta-se aos tostões.

Dados da ESA em 2024

Retomemos ao ano tão negro na minha memória de 2009, que nunca hei de esquecer, o fim da minha infância consumidora. Estamos a falar da pior crise financeira a que assisti em toda a minha vida. Malas feitas para zarpar do país, dívidas, pedidos de comida a instituições porque em casa faltava… e faltou o meu avô. Nunca me poderei esquecer desse ano. Até me custa remexer e escrever… Mas cá vai. Vamos tentar!

Uma semana após o meu avô falecer, uma última nota de 50 embrulhada das mãos da minha avó. “É sim, eu falei com ele e concordámos assim.”. Não me quero alongar muito, costumava levar a PS2 comigo para casa dos meus avós, e 3 dias depois de não conseguir proferir uma única palavra com o nó na garganta, os meus pais saberam que os meus amigos andavam todos de roda de um jogo, e foi então com essa notinha que fizemos a minha primeira compra de um jogo no lançamento. Mas não certamente a última, razão pela qual o título deste artigo assim se apresenta. No entanto, valeu a pena? A resposta é óbvia: aquela nota amassada tinha um peso e valor inestimável que nenhum jogo poderia justificar.

Contudo e feitas as contas, sabendo que uma nota de 100€ no início do milénio equivale hoje em dia a sensivelmente 36€ no poder de compra atual (ou seja dada a inflação de 64% precisarias de 164€ para levar para casa o que levarias com essa nota de 100€ em 2000), não é preciso muito para pensar que guardá-la nas minhas mãos não seria sensato, mas fácilmente encontraria algo em que pudesse encapsular esse valor de uma forma mais justa e intemporal.

A inflação em Portugal 2000-2025

Efetivamente não me recordo de qual foi o próximo jogo que comprei a full price, se é que comprei mais algum no lançamento depois desta experiência. Antes do facto, tudo o que possuí foram jogos comprados naqueles descontos de 19.99€ no antigo Jumbo, quando ainda tinha 3 corredores só dedicados a expor bibliotecas de novidades, cada qual para a sua plataforma. Por vezes conseguia ter mais que um jogo quando os descontos eram maiores e os meus país faziam-me essa surpresa. Após o ocorrido, voltei a só me interessar por procurar as melhores promoções e oportunidades numa altura em que começava a não escolher à sorte os jogos, e sim a olhar para as suas franquias. Sempre com o peso e medida do que retive.

Com a maioridade, pensei poder começar a comprar jogos no lançamento. Passei uma fase no secundário em que poupava para não ficar só a ver Marklpliers, PewDiePies e outros desta vida a divertirem-se. Foi assim que mergulhei nos 3 jogos que me trouxeram de volta ao mundo dos consumidores: The Elder Scrolls V: Skyrim, Rise of Tomb Raider e Shadow of Mordor, que levei anos e anos a saborear. No entretanto, os preços dispararam para um absurdo que começa a se assemelhar ao que se pagava na altura pelos cartuchos da Mega Drive, época cujo custo de vida não difere muito do que se sente hoje em dia. Nisto, e não me querendo aprofundar muito mais neste tema que me deixa chegar a mustarda ao nariz, do meu ponto de vista, a acessibilidade dos mercados era completamente diferente se nos encontrássemos na situação em que tu e eu estamos, estejas empregado ou não.

Estamos todos fartos de ler sobre a subida do custo na habitação, bens essenciais, energia, tu, eu, patrões, analistas, jornalistas, TODOS! Com o Fundo Monetário Internacional a projetar que a inflação global tenha declinado de 6,8 % em 2023 para 5,9 % em 2024 e que atinja 4,5 % em 2025, como se justifica então que os jogos encareçam tão abruptamente? E como se justifica continuar a comprar jogos a full price quando estes em 2 meses caem 20%, 40% e até 75%? Faz algum sentido, que as vendas de jogos digitais, puro software, de meras horas de entretenimento, infimos grãos de areia na totalidade das nossas vidas, passem a comer-nos 1 dos 8 pudins (recordando o sketch do Gato Fedorento) que recebemos ao fim do mês como pagamento pela prestação do nosso serviço a que mensalmente devotamos as nossas vidas?

Evolução do salário minimo nacional nos 22 estados membros da União Europeia

Sejamos justos, estamos a falar de um salário mínimo médio da União Europeia que ronda os 1220, com apenas 9 dos 22 estados membros a alcançarem a fasquia dos 1000€ mínimos mensais, e portanto para a grande maioria 1 pudim, é muito ovo desperdiçado quando faz falta comida na mesa e o frigorífico custa a encher! Com cerca de 10% dos jovens da União Europeia a gastar pelo menos 40% do seu rendimento só em habitação, como consegue o consumidor médio acompanhar esta subida e não só continuar a comprar, como a reservar, e antes ainda das reservas online, ao primeiro trailer de revelação dizer “Este é Day One”? Novamente, o consumidor inteligente vota com a sua carteira! Segundo os dados da SteamDB e de ferramentas de histórico de preços como a Is The Any Deal, é possível encontrarmos jogos a 50% de desconto na própria loja oficial a partir dos primeiros 2 meses de lançamento! Sendo que é muito mais atraente (e inteligente) ainda usares os agregadores de lojas online para comprares os teus jogos com alertas na tua whishlist, para descontos ainda maiores e para quaisquer que sejam as tuas plataformas de preferência, como a GG deals, All Key Shop, entre outras!

Como se não bastasse, as franquias que tanto nos chamam a atenção no lançamento, são nos oferecidas aos bundles, quase de mão beijada, a troco de pequenos investimentos que podemos fazer em instituições que apoiam causas sociais que são de todos. Falo claro do exemplo da GOG onde chego a ficar com códigos duplicados de jogos que já tenho, mas não interessa, porque no final poupo sempre muito mais e ajudo a entrar com algum (€) para quem realmente precisa dele. Os videojogos, nomeadamente agora no The Game Awards mas antes também na E3, costumam ano após ano capitalizar no seu impacto de carácter social. De que dentro dos ecrãs estamos todos no mesmo barco quando usamo-los para nos abstrairmos do mundo real, e onde cada jogo nos ensina uma história de vida diferente.

Doom Eternal

Não parece então natural que os jogos devam se tornar mais democráticos? Com efeito, procuro deixar a minha lista de alertas da wishlist sempre intocada até soarem os alarmes a partir dos 70%, com poucas exceções a que permiti-me render abaixo dos 50%. Além destas dicas, procuro ainda potencializar o que poupo aguardando pelas épocas pré-definidas onde aparecem/apareciam os melhores descontos:

  • Saldos de Inverno: Início a partir de 26 de dezembro, com descontos maiores em janeiro e fevereiro. 
  • Saldos de Verão: De julho a agosto. 
  • Black Friday e Cyber Monday: Na realidade todo o mês de novembro…
  • Outras Promoções: Ao longo do ano, especialmente durante datas comemorativas (Páscoa, Natal) e em eventos como Steam Next Fest.

Confesso que já vi melhores dias para estas “épocas de saldos”, que me fazem lembrar quando a FNAC anuncia os mega saldos 20% EM TODOS OS LIVROS, quando na Wook e Berthrand vivemos e respiramos 20% em poupança 365 dias por ano. Enfim! Quando estas promoções falham os mínimos históricos, não cedas a arrependimentos futuros. Não há maior sede que a vitória sobre o capitalismo quando compras no momento certo, e vais ter uma sensação de gratificação muito mais prolongada a desfrutares da pechincha do que se procurares logo pagar a peso do ouro um jogo cuja fasquia da experiência estás a elevar ainda mais sobre o seu custo.

Efetivamente há 2 comportamentos cognitivos que entram aqui em jogo e que temos de abordar: O FOMO, e o Sunk Cost. Possivelmente o primeiro, Fear Of Missing Out, já te é familiar, e já há algum tempo que te estarás a debater nele ao longo deste artigo. Este é o comportamento típico que justifica as compras no dia de lançamento a meu ver. Todos querem fazer parte das Trends, seja a que preço for! Contudo a descarga de dopamina deixa-te com a sensação de que não foi suficientemente envolvente. Novamente, estás a colocar a experiência noutro patamar e a arriscar um arrependimento quando começares a ver o valor a cair.

Algo que mais tarde ou mais cedo dará lugar à falácia do Sunk Cost. Há um provérbio japonês que diz “Se apanhares o comboio errado, procura sair na saída mais próxima, pois quanto mais tempo demorares a sair do comboio, mais cara será a viagem de volta.”. Sunk Cost é precisamente a síndrome de teres plena consciência que estás nesse comboio, e estação após estação continuares a embarcar. Sabes que há alternativas mais em conta para te levarem ao teu destino, mas continuas a pagar o peso do ouro, e com a tua carteira, a dizer que é okay continuar a pagar o custo sem limite de um bilhete sem destino.

Seja por questões financeiras, seja por lições que nos fizeram aprender a pesar o valor intrinseco dos videojogos, ou até por razões psíquico-sociais, sinto que nada justifica a “javardice” que tem sido estas subidas vertiginosas de preços de que tem sido alvo esta industria. Contudo, o que não falta aí são casos de novos recordes de vendas, onde a cada instalação os jogos revelam pior desenvolvimento, o público reclama, mas o saldo contabilistico revela um caminho quase de impunidade, por pior que seja a experiência entregue. Efetivamente, e mediante tudo o que falámos, os preços continuam a disparar, pelo que as duas primeiras frases deste artigo valem a pena reler. Acabo por nunca comprar um jogo a full price no meio desta carnificina que continua a arrombar as carteiras dos jogadores mais suscetíveis, e acho que por muito tempo o título deste artigo irá se manter verdade até os mesmos chegarem a um preço mais justo.


E tu, lembras-te da última vez que pagaste full price? Valeu mesmo a pena?

Joana Sousa
Apaixonada pelo mundo do cinema e dos videojogos. A ficção agarrou-me e não me largou mais! A vida levou-me pelo caminho da Pós-Produção, do Marketing e da organização de Eventos de cultura pop, mas o meu tempo livre, dedico-o a ti e à Squared Potato.