Continuo a achar incrível como a From Software conseguiu passar de uma equipa que desenvolvia jogos medianos para, discutivelmente, a equipa mais influente do século XXI. A saga Souls trouxe consigo uma maré de influências que apenas foi fortificada pelos títulos seguintes da equipa: Bloodborne e Sekiro.
Desde então, foi criado o sub-género Soulslike, focando-se maioritariamente em não só desafiar as competências técnicas do jogador através da elevada dificuldade, mas também o seu lado criativo e/ou explorador, pois a história não nos é contada, é apenas “espalhada” em pedaços de papéis ou nas personagens que vamos encontrando ao longo da viagem.
Ora, este sub-género ganhou tanta popularidade que em pouco tempo já fez surgir centenas de inspirações, e claro, como em tudo na vida, algumas fazem render o nosso tempo e outras, bem, não. Hellpoint, Thymesia, Lords of the Fallen, Nioh, Ashen, Remnant: From the Ashes, Star Wars Jedi: Fallen Order são apenas alguns títulos que bebem do sumo da saga Souls, estando ainda inúmeros projectos entusiasmantes por sair, como Black Myth: Wukong, Lies of P ou Wu-Long: Fallen Dynasty. Podia estar aqui a listar muitos mais mas como podem reparar, este sub-género está cá para ficar, e fruto disso, trago-vos hoje a análise de Steelrising.
Steelrising é um RPG de acção desenvolvido pela Spiders, uma equipa francesa que já nos trouxe títulos como Bound By Flame, Greedfall ou Technomancer.

Chegamos então a Paris na era revolucionária (apenas mais um dia em França) e conhecemos Aegis. Aegis é uma automata que se encontra encarregue da segurança da família de Luís XVI, mais concretamente a Raínha Antonieta e o seu braço direito, Gabrielle de Pognac. Dada a forte aposta do rei num exército de Automatas, não só são muitos, como vários ganham consciência e começam a obliterar tudo o que se coloque à sua frente. Depois de personalizarmos a nossa Aegis, somos então encarregues de investigar como é que a situação chegou a este ponto, deparando-nos com caras familiares ao longo do caminho.
A história de Steelrising complica-se desnecessariamente. Existem muitas missões secundárias para acarretar, e embora algumas tragam momentos interessantes, boa parte obriga-nos a praticar ginástica mental para encaixar aquela peça no puzzle geral, ao invés de ser apenas aquela história no meio de um acontecimento geral. Não quero revelar muito da história nem das personagens para não revelar spoilers mas quem conhece História tem ideia das personalidades relevantes que contribuíram para aquele período, e não são poucos. Ao contrário das minhas intenções, aconselho-vos a não abrirem o guia de jogo no menu pois este contém spoilers relativamente a mecânicas que vão descobrir ao longo do jogo.
Não obstante, gostei do foco cinemático de Steelrising, ao contrário dos outros Soulslike, apoiou-se muito na divulgação da narrativa directamente ao jogador, algo que, não fosse a pilha de livros que podíamos escrever com esta história, podia ter sido uma absorção de conhecimento muito mais simples do que o tradicional falar com toda a gente e ler tudo para perceber quem é a pessoa X ou Y.

Ter um maior foco cinemático tem coisas boas, e coisas más, comecemos pelas boas. Somos de imediato postos a par do que se está a passar e somos ainda devidamente apresentados a todas as personagens, sabendo logo o que é que cada uma contribui para o plano geral. Existem momentos emocionais e momentos dramáticos, existe um pouco de tudo, e esta experiência, quando bem feita, foi muito satisfatória.
Não tenho ideia do orçamento de Steelrising mas presumo que tenha sido o de um AA, ali a roçar o AAA, visto que estão a pedir 70€ pela edição base. Devaneio nisto pois deparei-me com um jogo passado em França onde toda a gente tem sotaque britânico. Ao menos no Assassin’s Creed Unity ou em Plague Tale: Innocence bastou-me simplesmente mudar o áudio para francês e tudo voltou ao normal. Ora, em Steelrising, mudei inclusive o idioma da minha Playstation e fiquei a saber que tinha de ouvir “Enchantays” o resto do jogo. Claro que nos acabamos por habituar e não prejudica a experiência, mas era bonito terem prestado homenagem à localização onde o jogo decorre, pelo menos acrescentava outra camada de imersão.
Acumulando com o sotaque britânico, vislumbramos ainda expressões faciais desprovidas de qualquer emoção. Certo que não são todas mas 60% do tempo é passado a olhar para personagens “facialmente” neutras a reclamarem umas com as outras como se o mundo fosse acabar.

As ruas perderam a vida, apenas estando populadas por automatas que tentam caçar os cidadãos dentro de casa, podendo nós, em alguns casos, ajudar quem necessita, ao estilo de Bloodborne. Não podíamos também deixar de ter o famoso hub, onde todas as personagens relevantes se encontram. Todas as missões secundárias partem de lá, e boa parte delas lá acaba também, portanto vão passar lá muito tempo.
Paris encontra-se muito bem representada, dando a Spiders uso às inúmeras pequenas ruas que compõem as cidades para brincar com o level design. Seguem também a clássica mecânica de ir deixando atalhos pelo meio. Existem cerca de 7 localizações diferentes de Paris para onde podemos viajar, como o Louvre, Montmartre ou a própria Bastille, sendo grande parte delas já conhecidas pela sua elevada popularidade no turismo ou relevância histórica.
Um dos contras ao recorrer a este tipo de arquitecturas acaba por ser a repetitividade no cenário, algo que a Spiders tentou ir refrescando com enormes jardins ou passagens pelos esgotos, mas isto acaba por ser intrínseco à forma como a cidade foi construída. A meu ver não se torna prejudicial para o jogo, mas acredito que possa ser entediante para muitos jogadores.
Esta repetitividade acentua-se quando o mapa que nos é fornecido é uma dos mapas mais vagos que já vi, não tendo sequer layout das cidades. Certo que até me fez bem para eu ir conhecendo as zonas, mas em alturas onde tinha de ir a sítios específicos (não relacionados com missões) perdia-me no labirinto que eram as ruas. A única ajuda que temos são os ícones e a respectiva distância das missões que surgem no ecrã, e estes não funcionam para actividades com os cidadãos.
Embora cada localidade não seja grande, e a transversalidade esteja bem conseguida, o sistema de fast travel recorre a carruagens, sendo estas um ponto único em cada zona. Não faz grande sentido quando temos os Vestal (checkpoints), pois estando estes espalhados pela cidade, só facilitavam as missões secundárias/actividades, como evitavam ter de percorrer a cidade inteira só para conseguir viajar para outras zonas sem gastar tokens.

O combate é talvez um dos melhores e mais diversos do sub-género. Temos 9 armas e 4 classes, podendo usar uma classe de força com um halberd, seguir alquimia e ter uma arma baseada em poderes elementais, ou simplesmente não querermos confusões e disparar ao longe. Ao todo são 9 tipos diferentes de armas com 40 variações possíveis.
Tendo jogado numa classe de agilidade, nunca senti que o jogo fosse injusto, dependia sempre do quão bem me conseguia adaptar ao automata que enfrentava. A Spiders também se esforçou para não encontrarmos grandes grupos de inimigos pois isso leva mais vezes a erros técnicos do jogo como ficar preso num bloco, do que conseguirmos lidar com o desafio.
Refiro isto pois Steelrising desde cedo nos refere que é um jogo desafiante, possibilitando ao jogador mexer em indicadores que regulem a dificuldade. Escolhi a dificuldade padrão e senti-me desafiado e raramente frustrado. Aliás, o que mais me frustrou foi que o sprint gasta stamina. Até a própria From Software já desistiu de gastar em combate, porquê limitar a transversalidade numa barra? Achei engraçado que à medida que vamos correndo, o núcleo de Aegis vai aquecendo, chegando mesmo a sobreaquecer quando chegamos ao fim da barra, mas este pequeno detalhe não compensa as vezes que temos de abrandar para recuperar stamina.
Pareceu-me que o orçamento que não foi gasto no face capture foi empregue em animações pois este jogo tem imensas, até mesmo para ações que raramente vemos animadas, como destrancar portas com chaves. Denota-se uma forte paixão na imersão que a Spiders quis colocar no jogo. Atrevo-me até a dizer que as animações durante o combate são melhores do que animações em combate durante as cutscenes. Até pode parecer parvo focar-me nesta vertente mas é muito comum privilegiar outras vertentes dos jogos pelo que foi com bons olhos que fui descobrindo as várias animações de Aegis.

Exceptuando as opções relacionadas com a dificuldade, gostava de ter visto maior acessibilidade no jogo. Estamos em 2022 e quanto mais acessibilidade existir, mais somos a jogar. Temos a hipótese de re-mapear todos os botões, algo que é de louvar pois muitos jogos não dão essa liberdade ao jogador.
Na vertente audiovisual podemos optar entre 3 estilos diferentes:
- Favour Resolution
- Favour Graphic Quality
- Favour Framerate
Posso dizer-vos que embora não tenha conseguido reunir dados técnicos, destes 3, apenas Favour Framerate atinge 60 fps, tendo sido o único modo em que joguei dado o estilo de jogo, e fiquei bastante surpreendido quando não vi praticamente drops ou bugs no geral. Para uma versão sem day-one patch, é de louvar.
Visualmente em Favour Framerate Steelrising mantém-se cativante e detalhado. Perdoem aqui o fanático por História mas devo dizer que Paris está muito bem retratada, incluindo localizações histórias que se encontram bastante detalhadas. A palette utilizada no cenário é bastante escura, tendo eu tido de aumentar o brilho para 75% (se mexi nesta opção 5 vezes na vida foi muito). Entende-se a falta de luz dado não só o tema como a era, no entanto creio que podiam ter acrescentado mais “brilho” a certas localizações, sem retirar a essência do tema.

No departamento sonoro não encontrei quaisquer problemas, antes pelo contrário, até gostava de ter tido direito a mais banda sonora enquanto passeava. Muitos tons clássicos, raramente acelerados, mesmo quando estamos em combate. Aliás, quando entrava em combate pensava que estava numa cena do Alien pois começava sempre a soar uma melodia sinistra, algo do qual não me queixo, apenas achei curioso.
Ao ingressar neste sub-género Steelrising podia ter prescindido de muitas variantes que compõem este bolo, mas não o fez, e por isso merecem destaque. Não só conseguiram manter a fórmula Soulslike como acrescentaram uma camada cinemática e uma localização marcante, tendo toda esta viagem sido feita por Aegis de saltos.

































