Quando falamos de RTS (Real-Time Strategy), é impossível não mencionar Warcraft. A série da Blizzard moldou o género nos anos 90, não apenas pela sua jogabilidade, mas também pela forma como trouxe identidade, personalidade e narrativa a um estilo de jogo que, até então, era mais focado na estratégia pura.

Warcraft: Orcs & Humans (1994) introduziu mecânicas que se tornariam padrão, como a recolha de recursos, construção de bases, gestão de unidades com características próprias e tudo isto com campanhas de narrativas. Mas foi Warcraft II que elevou a fasquia, com mapas mais vastos, um design visual mais marcante, e um enorme equilíbrio entre raças que se tornaria referência. Claro, mais tarde chega-nos Warcraft III um dos jogos mais revolucionários da história não só do género RTS, mas também dos videojogos em geral, com heróis jogáveis, progressão de personagens e mapas customizados que acabariam por dar origem a géneros inteiros, como os MOBA, e ajudou a criar um legado que ainda hoje se sente, e muito com o título que vos vou falar: The Scouring.

Este é um jogo ainda em acesso antecipado, e como tal, não irei pontuar ou fazer qualquer review convencional. No entanto, trata-se de uma obra tão especial e feita cheia de carinho que não podia simplesmente ignorar. Ainda mais saboroso é ir à secção de FAQs na Steam e verificar que se trata de um projecto que conta com apenas um desenvolvedor de código: Pavel Zagrebelnyi, sem qualquer apoio externo. Pavel, fizeste um jogo incrível!

The Scouring trouxe-me uma surpresa que nunca pensei encontrar num RTS. O jogo apresenta o Hero Mode, disponível em qualquer mapa, e que muda por completo a forma como olhamos para o género. Em vez de estarmos presos à rotina de gerir trabalhadores, recursos e filas de produção, tudo isso fica a cargo da IA. A nossa missão é bem mais directa: controlar um herói, evoluir através de combates, acumular ouro, comprar itens e, no final, enfrentar o herói inimigo.

O que parece simples acaba por ser incrivelmente viciante. É quase como se o jogo nos colocasse no centro de um mundo vivo, onde a base e o exército crescem por si, enquanto nós desfrutamos da adrenalina de um MOBA dentro do espetáculo visual de um RTS. A sensação de progressão constante, sem a carga da micro gestão habitual, é uma lufada de ar fresco que dá esperança num futuro mais criativo para o género.

Como RTS, The Scouring é surpreendentemente bem construído, com uma base sólida. Conta com o típico Classic Mode em que o objectivo é simplesmente destruir o inimigo, seja Orc ou Humano. Conta com todas as bases bem presentes: recolha de recursos, construção de edíficios e fortificação, produção militar e destruição do inimigo. As batalhas são rápidas, diretas e satisfatórias, com mapas que suportam até oito jogadoresExistem várias configurações mas achei interessante uma delas ser a activação de NPCs que nos atacam durante a noite. A curva de aprendizagem é acessível, mas claro que dominar as mecânicas exige prática. Estou tão habituado a jogos limitantes, que foi quase contra-natura ver que não exista um excesso de unidades ou edifícios, e que bem que me soube encher o meu pequeno vilarejo de orcs mal cheirosos.

Já no campo visual, The Scouring ganha vida com efeitos simples, mas que me encheram os olhos: os amanhaceres podem ser bruscos, mas tem algo de especial neles. Será a nostalgia a falar-me demasiado alto? O fundo enevoado, as árvores em fogo com o efeito do sol, tudo isto cria um clima que já não sentia num jogo para computador aos anos. São momentos visuais muito apelativos, mesmo com os gráficos basicamente estilizados e limitados. O seu desempenho é super estável. O meu computador não é nada de especial em termos de specs, e tive sempre uma jogabilidade estável, fluida e sem qualquer bug ou crash.

Um dos maiores trunfos de The Scouring é a aposta no modding desde o arranque do projecto. O suporte ao Steam Workshop já permite criar mapas, modos, scripts AI, e até mais tarde pelo que é indicado, poderás até criar raças e modelos 3D completos. A comunidade já está activa, e este tipo de envolvimento deixa tudo ainda mais especial, veja-se em títulos da Bethesda por exemplo.

The Scouring está longe de ser uma obra-prima final, mas tem uma base verdadeiramente promissora e feita com muito amor. Se és fã de RTS clássicos como Warcraft III ou até Age of Empires, vais sentir-te em casa, mesmo que o jogo ainda esteja em acesso antecipado.

Para mim, só a inclusão do Hero Mode e das ferramentas robustas de modding que dão asas à criatividade, já colocam este projeto numa posição recompensadora e vale instantâneamente o dinheiro investido, tanto agora como no futuro. Para os fãs do género, é uma compra quase sem hesitações, sobretudo se gostas de apoiar developers independentes com ideias claras e capacidade de entrega.

Caso tenhas adquirido o jogo, sê bem-vindo, fica atento ao roadmap, ao crescimento da comunidade e às futuras actualizações: este pode ser o início de algo realmente especial. Se The Scouring estivesse cotado em bolsa, era daquelas acções para comprar e guardar sem pensar duas vezes, perdoem-me esta parva analogia.

Um grande agradecimento ao Pavel Zagrebelnyi pela obra, e à editora por nos terem gentilmente cedido uma chave para analisar The Scouring através da Steam.

Igor Gonçalves
Curioso, explorador, e fã de videojogos desde que me lembro, e em especial pela saga Metal Gear. Não jogo plataformas, jogo jogos.