Há algo de mágico e estranho quando a melancolia e o terror se encontram com a arte pixelizada. Vlad Circus: Curse of Asmodeus é um desses casos em que essa mistura resulta na perfeição. A sua estética granulada, feita de pequenos quadradinhos, confere à escuridão e ao peso temático do jogo uma beleza quase reconfortante, como se estivéssemos a folhear um álbum antigo, gasto pelo tempo.
Este jogo é uma prequela de Vlad Circus: Descend into Madness (2022), jogo que aconselho vivamente, e que se encontra constantemente a menos de 5€. Este sucessor mantém a mesma alma: uma aventura gráfica point and click em pixel art. Aqui controlamos Josef, num enredo que mistura temas sempre perigosos de abordar em videojogos: fanatismo religioso, alcoolismo, egoísmo, inveja, sanidade e loucura. É uma personagem carismática, cheio de truques na manga, mas difícil de simpatizar com ele, tal como já acontecia no jogo anterior. A sua ambição cega e a pobreza moral tornam-no alguém de quem desconfiamos sempre, e com razão, já que muitas vezes somos obrigados a ir por caminhos que não é correcto. Apesar dessa falta de empatia pelo protagonista, sentimos a sua história, pela atmosfera que respira autenticidade. E isso basta para tornar esta narrativa numa viagem espetacular e muito bem construída.
Não é um jogo fácil de digerir, apesar da dificuldade baixa nos quebra-cabeças. A viagem está carregada de imagens perturbadoras, cadáveres putrefactos, ambientes sombrios, um peso constante de decadência e na doença. Mas é precisamente aí que Vlad Circus: Curse of Asmodeus brilha: na forma como conjuga o desconforto com a nostalgia pixelizada, dando-nos uma experiência que tanto assusta como fascina.
Na jogabilidade, o destaque vai para as diferentes linhas temporais: ora exploramos o presente, ora recuamos para momentos antes da tragédia do incêndio que move a trama do título. Os puzzles são acessíveis, até mesmo para quem se perde facilmente neste género. Existem alguns momentos de frustração nas escolhas de alguns deles, como uma perseguição que diria ser até um pouco ridícula em que o objectivo era encuralar uma certa pessoa num beco, mas para lá chegar foi preciso quase um diagrama, em algo que seria tão simples de aplicar. Mas no geral, a fórmula é simples: recolher itens, combiná-los, e usá-los em situações específicas, como pegar num pano seco, molhar em água e limpar um vidro ensanguentado. Pequenos toques que fazem lembrar os clássicos Resident Evil, mas adaptados ao ritmo lento e observador do estilo point and click. No geral o level design é bem respeitado, e é gratificante resolver a maior parte dos pequenos enigmas.
A cidade de San Reno, nos anos 20, é um cenário vivo e meticulosamente recriado. Desde o bar ao hotel, cada esquina guarda um detalhe, uma frase ou interação que nos transporta diretamente para a época. Há referências que hoje soam bizarras, mas que então eram parte do quotidiano: o tabaco de mascar, os jarros nas entradas dos espaços para onde os clientes cuspiam, o alcoolismo assumido como hábito de vida, e até a maldita tuberculose, tão comum que se tornava quase inevitável, e que tantas vidas ceifou. O protagonista, Josef Petrescu, encaixa perfeitamente nesse retrato decadente (sem spoilers); um homem queimado, desfigurado, sem voz, memória, ou sequer redenção.
A música, por sua vez, é um deleite inesperado a meu ver. Temos os famosos temas de época com notas Western e outros Noir, que dão muito corpo ao ambiente, fazendo-nos sentir dentro de um filme antigo, naquele ambiente pesado e carregado de fumos de cigarros, cheiro a casca de whisky barato e sombras pesadas.
Agradecemos à editora a cedência de uma cópia digital para análise para Playstation 5.


































