Ghost of Tsushima, lançado em 2020 pela Sucker Punch, teve uma importância significativa para a indústria dos videojogos, não porque revolucionou mecânicas ou novas abordagens na jogabilidade, mas como obra cultural e técnica. O jogo trouxe respeito à cultura japonesa feudal, com inspirações de grandes feitos nipónicos, como a própria arte de fazer cinema como Akira Kurosawa, e com uma fotografia e direção artística de altíssimo nível. Foi um jogo que conquistou os fãs de Playstation pelo mundo.

5 Anos depois, chega-nos Ghost of Yotei, a continuação do trabalho da Sucker Punch. As bases da sua construção são as mesmas, mas inova em todos os sentidos tanto visualmente, como na sua jogabilidade, tudo isto usando o hardware da Playstation 5 em todo o seu esplendor.

A narrativa de Yotei passa-se trezentos anos depois dos acontecimentos de Ghost of Tsushima. A história situa-se no Japão rural do século XVII, e centra-se na vingança da nossa protagonista Atsu, uma mulher atormentada pelo assassinato da sua família, que busca a vingança por todos os meios. A história é cliché e previsível, mas o interessante nesta narrativa é a construção e desconstrução da nossa personagem, deixando a sua principal motivação para segundo plano. Partimos de uma figura aparentemente unidimensional: uma mulher endurecida pela dor, consumida pela culpa e pela raiva, com a vingança como único farol no vazio da sua vida. No início, Atsu é rude, fria e relutante em criar qualquer tipo de laço humano, como se estivesse constantemente a proteger-se de voltar a sentir perda. Ela não fala muito, evita emoções e vive numa espécie de modo de sobrevivência. Mais tarde, vai aprendendo a perceber que também é uma vítima de si mesma. O inimigo deixa de ser apenas externo e torna-se interno: culpa, ódio, medo de sentir e perder novamente. Como experiência narrativa completa, continuo a inclinar-me para a história de Ghost of Tsushima, com antagonistas mais intensos e uma ameaça mongol que respira brutalidade e urgência. Ainda assim, quando se trata da construção da protagonista, é em Ghost of Yotei que encontro maior profundidade e riqueza emocional, numa jornada mais íntima e mais vulnerável.

Muitas das novas personagens secundárias revelam-se surpreendentemente mais cativantes do que as de Tsushima. A aposta em planos mais íntimos e aproximados dá-lhes verdadeira vida, permite-nos ler emoções subtis nos rostos, perceber hesitações, tristezas e pequenos gestos que contam histórias sem uma única palavra. Em vez de simples figuras decoradas por armaduras e kimonos, são apresentadas como pessoas autênticas, com camadas e peso emocional.

Também a relação entre Atsu e estas figuras ganha uma profundidade rara (depois de algumas horas de jogo), construída com momentos silenciosos, diálogos carregados de subtexto e cumplicidade genuína. Há, em particular, uma personagem cuja presença marca toda a jornada, mas não irei revelar para não spoilar a experiência.

Há claramente muita influência de cinema aqui, desde o clássico ao moderno. Masaki Kobayashi, Akira Kurosawa, Quentin Tarantino, Takashii Mike, dá para sentir um gosto de cada um deles na direção de arte, nos combates, e até na narrativa em certos momentos. A direção de arte é fantástica, e tal como Ghost of Tsushima, às vezes parece que estamos a navegar por telas pintadas, tal é a beleza do enquadramento dos cenários. O mundo está mais vivo que nunca, com detalhes como a vegetação que se curva ao vento e responde ao movimento de forma como não o fazia em Tsushima. A fidelidade gráfica é impressionante, desde as partículas, reflexos e sombras. Mas o que realmente conquista neste título é a composição artística. Cada enquadramento parece digno de um wallpaper. É aquele tipo de jogo que se torna um problema para mim, onde passo mais tempo a tirar capturas de ecrã do que jogar.

A jogabilidade permanece muito idêntica ao último trabalho da Sucker Punch, com um grande diferencial no seu interesse principal: o combate. Ao contrário do seu antecessor, onde as técnicas podiam ser usadas quase sem restrições, Ghost of Yotei exige estratégia e adaptação constante. O combate é mais desafiante e metódico, obrigando a recorrer a todo o arsenal disponível. Funciona quase como um jogo de pedra-papel-tesoura, já que cada tipo de inimigo tem vantagem sobre determinadas armas e estilos.

Por exemplo: frente a um adversário armado com katana, combater de katana em riste garante um duelo equilibrado. Mas se esse mesmo inimigo tiver uma lança e avançar com agressividade, a melhor resposta é apostar na velocidade, e aí a dupla katana torna-se a escolha ideal, explorando o seu ponto fraco com ataques rápidos e letais, e o jogo oferece-te a utilizar esse tipo de contra-ataque para um dano mais letal e crítico.

Mudar de postura até fluía melhor do que trocar de armas, e ao início custou-me saber que isso não iria voltar a acontecer, mas enganei-me redondamente. Fiquei completamente ofuscado pela qualidade das novas armas. Acertaram em cheio no combate. Também podes pontapear armas do chão e atirá-las aos inimigos, e combinando estes elementos, torna-se quase uma dança de espadas e sangue.

O novo equipamento e as armaduras estão excelentes e bastante variados; algumas de Tsushima pareciam apenas versões diferentes da mesma armadura de samurai, e aqui há mais detalhe. Já o corpo mais esguio da Atsu combina muito bem com o estilo furtivo e principalmente com o visual das novas peças. Apostar mais no lado ninja sempre fez parte da essência dela, e apesar desta cultura e casta ninja ser uma das maiores folclores da história do Japão, quem não gosta de um bom elemento stealth estilo shinobi?

Há também a oportunidade de treinar com diversos mestres, que são figuras marcadas pelo passado selvagem daquela terra e, em alguns casos, ligadas à própria família de Atsu. Aprender com eles não é apenas desbloquear habilidades: é assimilar filosofias de combate, incorporar estilos distintos e crescer de forma natural e orgânica. Cada treino acrescenta algo novo, e isso é muito interessante e recompensador.

Ghost of Yotei segue claramente a linha moderna de design popularizada por Zelda: Breath of the Wild: uma exploração minimalista e intuitiva, onde o jogo sugere, mas raramente guia de forma explícita. Dá liberdade ao jogador, recompensa a curiosidade e deixa espaço para a descoberta, sem mapas cheios de ícones ou setas a gritar o caminho certo. És tu e o vento, quando ele te quer ajudar.

No entanto, apesar de apreciar essa abordagem, sinto que faltou algum desafio na exploração. Há momentos em que tudo parece depender mais de paciência do que de engenho. Um bom exemplo são as canções de shamisen que Atsu vai recolhendo ao longo da jornada: tens pistas vagas e és realmente incentivado a procurar sozinho (e até aqui tudo bem), é satisfatório quando descobres. Mas depois, o processo reduz-se sempre ao mesmo gesto: deslizar para a esquerda, tocar a música e seguir a indicação. A mecânica começa como uma boa ideia e até combina com a temática do jogo, mas torna-se repetitiva e cansativa, sobretudo para quem quer completar tudo a 100%.

Como já referi anteriormente, o mundo de Ghost of Yotei parece verdadeiramente vivo, não apenas grande, mas cheio de pequenos acontecimentos que lhe dão alma. Os encontros aleatórios surgem de forma orgânica: um acampamento onde acabamos a partilhar chá e histórias com um desconhecido, um mural de procurados onde inesperadamente vemos o nosso rosto e fazemos ronins tremer, ou simples viajantes que cruzam o nosso caminho com segredos e mapas antigos escondidos nas mangas. São momentos discretos, quase íntimos, que muitas vezes quebram a dureza da narrativa marcada pelo peso da vingança e, por vezes, até arrancam um sorriso ou uma boa gargalhada.

Outra mecânica que adorei foi a possibilidade de montar acampamento e ser visitado por NPCs que chegam sem aviso. Alguns são apenas almas cansadas de estrada à procura de companhia por uma noite; outros trazem histórias que expandem a mitologia do jogo ou pistas úteis para missões e locais ocultos. Pequenos encontros, grandes memórias.

E depois há a paisagem… aqui Yotei supera claramente Tsushima. Os cenários são sublimes, florestas de neblina, planícies de erva varridas pelo vento, vales cobertos de flores selvagens e montanhas imensas. Tudo é construído com uma atenção artística impressionante, capaz de transformar até a caminhada mais simples numa experiência contemplativa. É muito fácil perdermo-nos a explorar só pelo prazer de estar naquele mundo e queimar horas e horas só em prol da exploração.

O único senão dos gráficos é a falta de algum capricho em determinadas texturas, e a água. A maldita água de Ghost of Tsushima ainda não foi trabalhada da forma como merecia. É um detalhe que fica a a léguas da qualidade do restante visual. Os reflexos são básicos, e em algumas condições de luz, parece plástica e de reflexos inconsistentes.

Uma pequena nota também para a componente sonora de Ghost of Yotei, que tal como o seu antecessor, é um dos pilares que dá alma ao jogo. Não é apenas música de fundo, é narrativa emocional pura através dos instrumentos característicos de sempre que somos apresentados a obras Japonesas antigas. Desde os primeiros passos de Atsu de exploração até aos confrontos mais tensos, a banda sonora cria uma identidade sonora própria, profundamente japonesa mas com toques que a tornam única.

E para juntar esta qualidade, um dos detalhes mais originais de Ghost of Yotei é o Modo Lo-Fi, uma opção pensada para jogabilidade tranquila e exploração. Ao activá-lo a música transforma-se batidas típicas de uma playlist do Youtube “Samurai Lo-Fi Beat” com arranjos mais relaxados, transformando a experiência num estado meditativo. Não substitui as faixas originais, mas dão-lhe outra camada, algo que quem costuma utilizar estas playlists conhece bem. Aconselho a utilizarem esse método principalmente se estão à procura da Platina, que por sinal, é extremamente acessível.

Um agradecimento à Playstation Portugal pela cedência de uma cópia digital do jogo para análise.

CONCLUSÃO
Viagem
8.5
Igor Gonçalves
Curioso, explorador, e fã de videojogos desde que me lembro, e em especial pela saga Metal Gear. Não jogo plataformas, jogo jogos.
ghost-of-yotei-analiseGhost of Yotei é uma continuação poderosa: visualmente deslumbrante, com combate mais profundo e uma protagonista intensa. Falha em pequenos detalhes, mas conquista pela alma e personalidade da Sucker Punch.