Herdling é o mais recente título do estúdio suíço Okomotive, conhecido pelas suas aventuras atmosféricas como FAR: Lone Sails e FAR: Changing Tides. Desta vez, o estúdio propõe uma jornada diferente. Não é tão solitária como a saga FAR. Desta vez é de ligações; ligações profundas com criaturas mágicas chamadas Calicorns.

Sem saber muito bem como, acordas na pele de um garoto pastor na sua fase inicial da adolescência, aparentemente sem-abrigo. Aos poucos, vais aumentando, e comandando um rebanho que confia em ti para chegar ao topo de uma grande montanha, numa narrativa muda, mas profunda e cheia de significado, com elementos visuais, pinturas e gestos delicados. Durante essa jornada de recolha do rebanho, a travessia leva-nos de espaços urbanos opressivos, para paisagens vastas e naturais com perigos aéreos à solta, culminando numa grande montanha de gelo, tudo isto numa experiência narrativa de cerca de 3 a 4 horas.

A direção artística traz para mim que sou fã destes dois universos, claras influências das obras do Studio Ghibli, e The Last Guardian do lendário Fumito Ueda. Desde as paisagens vastas e etéreas até ao toque de fantasia melancólica presente nas criaturas e nos cenários. Também é visível ainda que de menor escala, Calicorns moverem-se com a mesma naturalidade e peso de Trico, com vida própria; ainda que estes obdeçam mais. Há algo que faz com que o mundo de Herdling pareça ao mesmo tempo mágico e orgânico, como se fosse possível lá viver; algo que encontro de forma vasta nestes dois mundos.

É surpreendente como, com um orçamento claramente modesto comparando aos grandes projectos AAA e até alguns indies, este título consegue transmitir tanto. São daquelas experiências que volta e meia aparecem, tal como um Journey, Abzû ou até o mais recente Gris. Herdling fala connosco sem palavras, carregando momentos de uma delicadeza que toca mesmo lá no fundo do coração. A sua história é mais sentida do que contada, e é fácil chegar ao fim com os olhos em água, não só por tristeza, mas pelo peso bonito da ligação que criámos ao longo do caminho.

À primeira vista, confesso que os gráficos de Herdling me causaram uma pequena impressão negativa (pelo menos na versão PS5, já que no PC me parece claramente superior), não pela falta de estilo próprio, mas pelas suas texturas e efeitos; tudo muito pouco refinado, além do fraco desempenho técnico, com quedas de quadros que interrompem a fluidez da experiência; mas bastam 30 minutos de jogo para conseguir ignorar todos estes detalhes e me deixar absorver pela incrível jornada que Herdling nos oferece.

O rebanho é, sem sobra de dúvidas, o ponto alto do jogo. Cada Calicorn tem uma personalidade própria, uns mais dóceis, outros mais curiosos ou malandros. A forma como interagem entre si quando resgatados, é encantadora e extremamente natural. É difícil não nos derretermos com estas criaturas que mais parecem pequenos amigos peludos do que meros companheiros de jornada.

É muito fácil criar laços com estas criaturas. Primeiro; porque podemos dar os nomes que quisermos, e apenas isso já nos deixa criar imediatamente uma conexão com cada um deles. Sem dar por nada, já dava por mim em cada acampamento a passar tempo a cuidar de exactamente cada um deles. Limpava os galhos que ficavam presos, afagava-os, e com os mais activos e brincalhões atirava-lhes a bola e observava-os com a correria desajeitada para a apanhar. Alguns deles ficam feridos de algumas maneiras que não mencionarei para não estragar a experiência, e lá ia eu, tratar das feridas com um cuidado quase compulsivo, e certificar-me que não podia simplesmente perder nenhum deles até ao final; e consegui!

A mecânica de controlo dos bichitos é surpreendentemente simples e intuitiva. Colocamo-nos atrás do rebanho e, com um toque no R2 (versão PS5), definimos o movimento, escolhendo a direção com o stick esquerdo. A posição do nosso personagem influencia a trajetória dos Calicorns: se nos aproximarmos pela esquerda, eles desviam para a direita, e vice-versa. Para gerir o ritmo, basta um toque no círculo para desacelerar ou dois para parar por completo. Este controlo preciso permite ajustar o andamento do grupo conforme o terreno ou a situação. Se tratarmos bem do rebanho e lhes dermos flores azuis (facilmente reconhecíveis no cenário), podemos desencadear uma corrida sincronizada, com todos em uníssono num momento visualmente elegante e empolgante.

Apesar de Herdling incluir puzzles e desafios suaves, não diria que este é um jogo de quebra-cabeças. Faltam-lhe os verdadeiros desafios intelectuais que caracterizam o estilo. Esta é mais uma experiência do tipo cozy walking simulator, com foco na interpretação pessoal da história. Como não há narrativa falada: cabe-te a ti sentir e interpretar tudo o que se passa à tua volta, sem que o jogo exige muito da tua capacidade de lógica.

A banda sonora é sempre suave e pontual. Nos momentos de maior excitação, como a corrida, o ritmo intensifica-se ligeiramente, mas continua a encaixar perfeitamente na identidade calma do jogo. A música nunca rompe com a proposta serena, aliás, ajuda a cimentar a sensação de companhia tranquila e desafio de jornada.

Ainda assim, nem tudo é perfeito nesta caminhada. Herdling sofre com alguns problemas técnicos que quebram um pouco a imersão: falhas abruptas no áudio, isto é, do nada, o jogo fica silenciado, sem qualquer somd e fundo, cortando subitamente o ambiente sonoro. Acho que a componente sonora é a que mais deixa a desejar, não pelas faixas que são muito belas, mas pelos efeitos e ambiente sonoro. É um contraste marcante entre a delicadeza emocional das músicas, e ao mesmo tempo da rudeza destes deslizes técnicos.

Agradecemos à editora a cedência de uma cópia digital para análise para Playstation 5.

CONCLUSÃO
Profundo
8
Igor Gonçalves
Curioso, explorador, e fã de videojogos desde que me lembro, e em especial pela saga Metal Gear. Não jogo plataformas, jogo jogos.
herdling-analiseCom uma narrativa profunda e visuais delicados, Herdling rouba-nos o fôlego num passeio suave de 3 a 4 horas.