Se The Hundred Line: Last Defense Academy vos soa familiar, é porque já falámos dele nas nossas primeiras impressões — e também porque, numa sucessão de decisões que só posso descrever como “muito on brand”, pedi este jogo para análise três vezes. Sim. Três. Sempre que me aparecia um trailer novo, lá estava eu qual peixinho amnésico, convencida de que nunca o tinha visto antes..

No fundo, fui só coerente com a minha idolatração do estilo característico de Rui Komatsuzaki e com a premissa do jogo: viver timelines paralelas onde tomo exatamente as mesmas decisões, sempre à espera de que, desta vez, tudo corra melhor. E sinceramente? Pelo menos uma delas resultou, porque o jogo chegou para análise à Squared Potato.

Agora resta saber se todo este entusiasmo (e spam moderado) valeu a pena — ou se chumbou antes sequer de começar o ano letivo.

The Hundred Line: Last Defense Academy, convida-nos a vestir a pele de Takumi Sumino, um estudante perfeitamente normal, que vive numa espécie de bunker que reproduz à escala uma metrópole japonesa. Isto até ao momento em que é invadida por monstros estranhos e Takumi é forçado a espetar um punhal no peito para libertar o poder da hemoanimau. Num virar de página que não avisa ninguém, Takumi é empurrado para uma nova realidade: uma escola onde terá de sobreviver 100 dias com outros estudantes que compõem um elenco variadissimo de personalidades que representam a última linha de defesa para impedir o apocalipse.

Para completarmos com sucesso a nossa missão, cada decisão conta, e Takumi carrega o fardo de saber demais. Ou demasiado pouco. Depende da timeline. A escola torna-se assim um palco de pressão crescente, onde o tempo passa, as ameaças e os acontecimentos aumentam enquanto os dilemas morais são mais frequentes que testes surpresa.

O jogo mergulha nas emoções de cada personagem — medos, inseguranças, lealdades — criando momentos que ora nos aproximam, ora nos desconcertam. Cada decisão não pesa apenas no “mundo”, mas também nas relações. 

Apesar do tom melancólico, com pontuais toques de humor irónico e gore, não se deixa levar pelo drama fácil. É mais introspectivo do que explosivo. Há uma constante sensação de urgência contida — como se todos estivessem a tentar manter a normalidade enquanto o mundo ruge lá fora. Há dias em que tudo avança com tensão e impacto, outros que passam a correr (literalmente), e outros em que somos arrastados por conversas longas que podiam ter dito o mesmo em metade do tempo. Felizmente, existe um botão mágico para acelerar os diálogos, e deixem-me dizer: sou fã número um dessa funcionalidade. Visualmente e tematicamente, lembra aquele sentimento de último ano de escola… mas com monstros gigantes a destruir o planeta no intervalo.

Em certa parte, faz-me lembrar um pouco a trama de Danganronpa, que apenas acompanhei em anime, mas espero algum dia retirar do backlog.

Confesso: jogos por turnos não costumam ser a minha praia. Mas The Hundred Line conseguiu agarrar-me com um sistema de combate que é, no fundo, um Fire Emblem, ou seja uma espécie de Xadrez jogado com peças Tetris em cenário de fim do mundo. O posicionamento importa, a estratégia de alvos a investir o próximo ponto de ataque (AP) também, e à medida que vais aprimorando as tuas personagens e a dinâmica entre elas, tudo começa a encaixar de forma quase automática. Tão automática, aliás, que os combates começaram a tornar-se excessivamente fáceis. Felizmente, os criadores anteciparam esse momento de “já vi isto” e introduziram uma opção de skip para evitar repetir batalhas já vencidas em timelines paralelas — uma decisão mais do que bem-vinda.

Fora da arena, a gestão do tempo dita tudo. Tens dias 100 dias a percorrer e a cada amanhecer és confrontado com o dilema: investes tempo a fortalecer relações? A treinar estatísticas? A explorar o exterior? Há sempre mais para fazer do que tempo disponível — e o jogo quer mesmo que sintas essa pressão. É aqui que as escolhas começam a pesar, não só na história, mas também nos combates: o teu desempenho em campo depende diretamente das relações que construíste subvertidas em pontos que desbloqueiam a possibilidade de fazeres upgrades aos moves das personagens.

O sistema de escolhas é, aliás, um dos pontos mais satisfatórios. Não há decisões superficiais aqui — tudo tem eco. Desde pequenos gestos que moldam a forma como os colegas te veem, até ramificações maiores que alteram o rumo da história ou desbloqueiam (ou fecham) possibilidades narrativas. Não é só sobre vencer batalhas, é sobre sobreviver emocionalmente a cada dia — sabendo que, no fundo, estás sempre a sacrificar algo ou alguém.

E mesmo com o combate a perder alguma tensão nas fases mais avançadas (culpa tua por evoluíres tão bem o grupo, vá), o jogo nunca deixa de te fazer sentir no centro da tempestade. Não é um anime com botões — é um caos organizado onde cada passo que dás pode ser o último da tua timeline. E sim, isso é viciante.

Como se a oferta não bastasse, há mecânicas que vão refrescando um pouco a jogabilidade para desenjoar a repetição. Temos assim momentos chave em que temos de conseguir persuadir personagens a tomarem decisões através do discurso no tempo certo que me recorda um pouco a minha experiência com Master Detective Archives: Rain Code. Além disto, a exploração do mundo exterior faz-se como se estivéssemos a jogar um clássico jogo de tabuleiro, como o jogo da Glória que te deves recordar, onde certas casas terão efeitos diferentes no nosso percurso. Umas irão apresentar-nos escolhas a tomar, outras irão dar-nos dores de cabeça, mas em todas as jogadas, é divertido ver que escolhas podemos encontrar e como impactam o nosso desempenho nessa run. O que não é tão divertido é o quão repetitivas são as batalhas dentro desse modo, onde os monstros apresentam-se sempre com o mesmo padrão e configuração de disposição. Autênticas repetições que essas sim deveriam deixar-nos fazer skip. 

Ah… Chegamos à parte em que vos falo da direção artística e por mais imparcial que tente ser, não consigo negar o quanto amo este tratamento anime em personagens 3D como Rui Komatsuzaki o sabe fazer tão bem! Um regalo para os olhos que nos faz querer mais, e absorver cada cinemática. Há uma novidade contudo, que é a diferença de tratamento da cor do sangue, que típicamente costuma retratar em tons magenta, mas esta tem explicação no fulcro do enredo onde os superpoderes dos personagens derivarem da ​​Hemoanima, que mexe com os glóbulos vermelhos de características especiais do elenco.

Em termos de banda sonora, esta cumpre o seu papel — apesar de às vezes me soar a música de elevador dentro da escola e dos seus corredores, mas no geral acompanha bem a narrativa, reforça a tensão nos momentos certos. Contudo não acho que fique no ouvido. É mais atmosfera do que protagonista, o que não é mau — só não é memorável.

A dobragem está bem escolhida e dá vida às personagens, sem cair em exageros ou dramatismos forçados. Há emoção onde é preciso, e isso ajuda a vender o peso das decisões — mesmo quando os diálogos se esticam mais do que deviam. 

The Hundred Line: Last Defense Academy já está disponível para Nintendo Switch e na Steam para PC.

Agradecemos à editora pela cedência de uma cópia digital para PC (Steam).

CONCLUSÃO
Suficiente para quereres fazer todas as timelines!
7.5
Joana Sousa
Apaixonada pelo mundo do cinema e dos videojogos. A ficção agarrou-me e não me largou mais! A vida levou-me pelo caminho da Pós-Produção, do Marketing e da organização de Eventos de cultura pop, mas o meu tempo livre, dedico-o a ti e à Squared Potato.
the-hundred-line-last-defense-academy-analiseEm todas as timelines onde joguei The Hundred Line, senti que podia haver um pouco mais de tudo: um pouco mais de cinemáticas, um pouco mais de momentos chave dentro de cada timeline, um pouco mais de dificuldade nas batalhas principais, menos nos diálogos descritos por texto - esses por mim já são demais. Não me desapontou, de todo, mas para um jogo que nos papa horas de vida às mãos cheias para cada timeline diferente, este podia procurar sentir-se menos repetitivo a cada timeline e mais fora da caixa.