With you and the rain

Há animes de ação. Há animes de romance. E depois há With You and The Rain: uma série que parece ter sido feita especificamente para ser vista enrolada numa manta que já conhece mais temporadas de anime do que ciclos de lavagem, com a caneca oficial do chá que já não sai do lava-louças e uma habilidade olímpica para ignorar chamadas de números desconhecidos. Este anime não tem explosões, não tem reviravoltas de cortar a respiração, não tem sequer aquele momento em que alguém grita pelo seu “nakama” em modo Dolby Surround. O que tem? Chuva, chá e um tanuki que jura a pés juntos que é um cão. E, honestamente, já basta para ganhar lugar no pódio dos animes mais terapêuticos de sempre.

Ser loner não é um bug na sociedade, é uma feature. É o modo escuro da vida real: não é para toda a gente, mas quem usa não troca. É andar de fones no supermercado só para não ouvir a senhora do talho perguntar se queremos bifes “mais fininhos”. É inventar desculpas cada vez mais criativas para escapar a jantares de grupo — “não posso, tenho reunião de condomínio” — e sentir orgulho na consistência da performance. E é também encontrar um estranho conforto em existências fictícias que não te julgam, não te aceleram, não te dizem que tens de mudar. É aqui que With You and The Rain acerta em cheio.

A rotina da protagonista é tão calma que faria uma sassão de Stardew Valley parecer Need For Speed. Ela não luta contra monstros, não descobre poderes escondidos, não tropeça em triângulos amorosos. Apenas existe, até que encontra um tanuki. Um tanuki que insiste, com a convicção de um político em campanha, que é um cão. E nós? Nós dizemos que sim. Porque se nós também andamos por aí a fingir que somos mais sociáveis, mais confiantes, mais organizados do que realmente somos, quem somos nós para desmascarar um bicho que só quer ser cão? Aliás, se este tanuki tivesse LinkedIn, já estaria a listar “experiência profissional: cão de companhia, 5 anos”.

E o mais bonito é que a mentira nunca é desmascarada. Ele é cão porque quer ser cão. E o anime não só respeita isso como nos obriga a pensar: quantas vezes também nós não queremos ser outra coisa — mais extrovertidos, mais corajosos, mais “normais” — só para caber nas expectativas dos outros? No fundo, With You and The Rain oferece-nos um cão que não é cão como metáfora para nós mesmos nos vermos ao espelho, visto que também não somos exatamente aquilo que dizemos ser, mas merecemos aceitação de qualquer forma.

Depois há a chuva. Essa constante quase hipnótica, que não serve para dramatizar nem para causar inundações trágicas, mas simplesmente para estar. É a banda sonora oficial da introspeção, o lo-fi beats to study and relax to transformado em anime. Enquanto plataformas de streaming competem para nos acelerar com cliffhangers e contagens decrescentes de “Próximo episódio em 3, 2, 1…”, esta série olha para nós e diz: “Calma, podes só ficar sentado a ouvir.” Ver With You and The Rain é quase um ato de resistência contra a netflixização da vida.

E o que acontece com o protagonista depois de conhecer o “cão”? Nada. E isso é o melhor elogio que lhe posso fazer. Ele não muda radicalmente, não arranja amigos novos, não descobre a cura para a introversão. Continua igual, só que com companhia. E esse é o verdadeiro plot twist: a não-transformação. Numa altura em que toda a narrativa parece querer empurrar-nos para a “superação” — torna-te mais produtivo, mais feliz, mais social, mais tudo —, este anime dá-nos uma bofetada suave e diz: “E se não precisares de mudar? E se já estiveres bem assim?”.

À primeira vista, o anime pode parecer vazio. Poucas personagens, zero clímax, uma cadência que faria um caracol parecer apressado. Mas o vazio é só fachada. Está cheio de pequenas rotinas, de silêncios partilhados, de presenças que não exigem nada. É como levar um livro para o café e deixá-lo fechado em cima da mesa: não é para ser lido, é para estar. E estar já é suficiente.

Se quisermos comparar, Evangelion fala de solidão com robôs gigantes e psicanálise freudiana; Mushishi aborda o tema com contemplação e espíritos místicos; Dark Souls obriga-nos a lidar com a solidão através de bosses que nos matam 87 vezes seguidas. With You and The Rain chega ao mesmo ponto com chá, chuva e um…cão. Minimalismo puro, quase zen, e ainda assim incrivelmente eficaz.

Para quem vive na margem do ruído social, esta série funciona quase como validação existencial. Não há julgamentos, não há sermões, não há moral final de “a amizade é o tesouro mais importante”. Apenas a aceitação: está tudo bem como está. É um anime que, de certa forma, nos dá um high-five invisível pela coragem de cancelar aquele jantar de grupo e ficar a ver séries sozinho, porque aceitaste essa forma de estar como adulto funcional.

E talvez seja isso que o torna tão especial. Porque With You and The Rain não é só para ver, é para habitar. É um espaço mental onde a vida não precisa de ser épica para ser significativa. Onde a solidão não é tratada como falha, mas como estado natural. Onde um tanuki que finge ser cão consegue transmitir mais empatia do que muito humano com curso de coaching.

No final, a mensagem é simples e surpreendentemente rara: não precisas de mudar para seres aceite. Não precisas de justificar o silêncio. Não precisas de encher a tua vida de “acontecimentos” para ela ter valor. Às vezes basta chuva a cair devagar, uma manta no sofá e um tanuki teimoso.

E convenhamos: quando até um animal aceita a tua introversão sem fazer perguntas, talvez tenhas encontrado não só o anime perfeito para loners, mas também a companhia mais honesta que o mundo te podia oferecer.

Joana Sousa
Apaixonada pelo mundo do cinema e dos videojogos. A ficção agarrou-me e não me largou mais! A vida levou-me pelo caminho da Pós-Produção, do Marketing e da organização de Eventos de cultura pop, mas o meu tempo livre, dedico-o a ti e à Squared Potato.