Quem sempre se dedicou, por pouco que fosse, ao mundo dos videojogos, sempre teve algo em mãos que era a escolha. A escolha não somente do jogo que nos iria dar horas de divertimento, mas a escolha da plataforma onde isso iria acontecer.
Quando começaram a sair as primeiras arcadas, ainda nos anos 70, começou a desenhar-se o império que, hoje em dia, movimenta cerca de 140 mil milhões de dólares. Para colocar isto em perspectiva, a indústria da música e do cinema, juntas, não alcançam tais valores.

Ver toda esta evolução é, sem dúvida, fantástica, pois durante décadas tivemos mudanças incríveis que são, hoje, muitas vezes postas em causa pelo crescente número de utilizadores e adeptos dos video jogos.
Os modelos de negócio
O hardware
Se as arcadas eram vistas como máquinas portentosas que eram os aparelhos dedicados de entretenimento, a Atari viu também uma oportunidade de levar este entretenimento a todas as casas de quem quisesse, e pudesse, usufruir de pequenos videojogos.

Outros tentaram antes mas a primeira grande interacção de um aparelho dedicado ao entretenimento onde poderíamos entrar num mundo virtual, dar uso da nossa imaginação e transformar pequenos quadrados e círculos em mundos fantásticos na nossa mente que nos faziam pensar, mesmo quando não estávamos a jogar foi-nos proporcionado pela Atari, na altura o gigante a abater no mundo dos videojogos.
Era ainda um nicho que alguns teriam acesso e durante anos as salas de jogos dominavam o cenário até que apareceu uma empresa vinda do oriente chamada Nintendo, e apresentou a sua NES.
Finalmente, todos poderiam ter em casa um sistema que dava uma jogabilidade semelhante a uma arcada, que podia ser partilhada por mais de um jogador e que era tão simples como ligar à electricidade e à TV.
Pouco tempo depois apareceu outro concorrente, a Sega, com uma consola semelhante, com cores vibrantes e jogos eletrizantes.
A Nintendo inovou mais uma vez e levou os videojogos de uma forma mais musculada para uma consola portátil, o GameBoy, que foi rapidamente seguido pela Sega com a sua GameGear.

Durante anos, vimos uma guerra de consolas onde a Atari perdeu terreno rapidamente devido ao agressivo posicionamento da Sega e Nintendo. As arcadas começaram a perder força e o modelo de negócio mudou.
Já não era interessante sair de casa para jogar, e quando saíamos levavamos a nossa própria consola. Aqui, o hardware começou a ganhar relevo nas escolhas através da luta entre os 8 bits, os 16 bits, os 32 bits e daí em diante.
A exclusividade
A Atari sempre se posicionou como um fabricante de hardware que possibilitava jogar, a Sega e a Nintendo posicionaram-se como empresas de videojogos que vendiam exclusivos sobre as suas consolas.
Surgiu em força um grande modelo que acabou por afastar a Atari da ribalta, os exclusivos como Super Mario ou Sonic, faziam parte agora da escolha dos consumidores sobre qual seria o hardware que iriam comprar.
Não só se produzia o hardware, como estas empresas tinham estúdios próprios para produzir os seus grandes exclusivos.
O modelo de exclusivos existe até hoje. Contudo, podemos ver que a Atari e a própria Sega já não se encontram na corrida do hardware; novos (grandes) jogadores juntaram-se e, desde 1995, podemos dizer que existem quatro grandes players de hardware para videojogos: Microsoft, Sony, Nintendo e a comunidade de PC Gaming.

Os três primeiros ainda estão assentes num modelo de exclusivos, mas aqui a palavra “ainda” é já muito forte.
Estes exclusivos e a dificuldade de entrada no mercado para obtenção de lucros por developers mais pequenos originou o aparecimento da comunidade Indie: pequenos projectos, partilhados por preços mais atrativos e onde a experimentação era enorme.
Com um foco inicial na comunidade de PC Gaming, o tempo ditou uma mudança drástica.
Se no início não eram vistos como ameaças, as grandes empresas tiveram os olhos postos neste género quando em 2012 Jorney, um jogo Indie, teve o reconhecimento mundial como jogo do ano.

Nesse mesmo ano, vimos a abertura da loja da Nintendo a uma secção dedicada a jogos Indie e, com o passar dos anos, não existe diferenciação em lojas como a PS Store ou a Steam.
Talvez uma ou outra etiqueta, mas a comunidade veio para ficar como um complemento aos grandes projectos das grandes editoras.
Estes grandes projectos de vários milhões, onde editoras fucionam como grandes empresas, passaram por várias metamorfoses, onde nos podemos lembrar que todas as consolas tinham um jogo semi aberto de um herói em 3D, todas as consolas tinham um FPS com uma componente online, todas as consolas tinham um single player cinemático e, a partir de 2004, todas as consolas tentaram ter um live service game que pudesse ser o novo World of Warcraft.
E aqui temos o rei e senhor dos novos modelos de negócio das grandes editoras.
Live service Game
Nunca um modelo de negócio foi tão forçado pelas editoras, as grandes editoras, aquelas que não fazem os jogos para os jogadores, mas fazem os jogos para os acionistas, aquelas que idealizam que um bom projecto é o que estatisticamente venderá, e não o que em termos de conceito será interessante para quem vai comprar.

O todo e senhor live service game, orquestrado sempre com uma óptica de dependência para o jogador, sempre numa óptica de lançamento e continuidade do serviço como geração de lucro e não da geração do lucro pela venda do jogo, é, sem dúvida, o santo graal dos dias que correm.
Com a promessa de um ambiente em que o jogador está constantemente a evoluir na sua jornada, todas as setas estão apontadas a jogos onde a monetização possa ser introduzida.
Para isto, muito ajudou o facto da massificação dos eSports, em que muitos dos jogos mais populares acabam por ter, de uma forma ou de outra, monetização constante, quer seja por temporadas, aquisição de heróis sem necessidade de um grind constante ou, simplesmente, uma skin para o nosso personagem ou arma.
Aqui, também a transmissão por streamers, os novos gurus das escolhas das massas e na criação das novas tendências, fez evoluir cada vez mais a centralização das atenções a determinados géneros de jogo.
Cada vez mais o jogador casual é colocado de lado e os jogos competitivos são colocados no topo das prioridades.
Contudo, recentemente, foi mais que comprovado que grande parte da fatia de todos os mil milhões não vem somente da competitividade, mas também do jogador casual, do single player e a chapada de luva branca está a ser dada, mais uma vez, pelo Oriente.
Ir atrás dos mais vocais
Todo este contexto levou a que, nos últimos anos, a comunidade se tenha agarrado a um sentimento de afastamento das grandes produções, das grandes editoras e que pequenos triunfos tenham sido aclamados de forma gigante, que os grandes desaires tenham sido enterrados com muita, muita terra e de forma vergonhosa pelas editorias.
Muito disto aconteceu por um afastamento do intuito dos videojogos, o afastamento do mundo real e a criação de divertimento.
A introdução de agendas, o crescimento desmesurado das equipas sem acompanhamento correcto, as decisões ao mais alto nível sobre o que será um negócio e não um videojogo, tornaram os lançamentos dos últimos anos um amargo de boca e uma perda no interesse de grande parte da comunidade.

A criação criativa parece ter sido afastada para dar asas a receitas de bolos em que, num lado, temos o sabor a cacau e no outro o chocolate negro mas que, no final do dia, niguém vai tirar os clientes ao bolo de chocolate de leite. Não existe foco no divertimento.
Já falei anteriormente que cada vez mais os jogadores têm votado com a carteira, as críticas escritas têm sido cada vez mais postas em causa e cada vez com menos créditos, plataformas como a IGN ou a Eurogamer perdem força pela sua alienação por parte de grandes empresas e opiniões, no minímo dúbias.
Nichos de pequenos sites como é o Squared Potato acabam por ter mais visibilidade, os fóruns começam a ter mais visibilidade e a comunidade começa a estar mais ciente, com reviews mais sinceras, pessoas mais informadas, e a procura pelo divertimento cada vez mais focalizado nisso mesmo.
O futuro
O futuro pertence a todos, e quando digo isto, digo porque acredito que não haverá mais gerações de consolas, existirão gerações de hardware que servirão, finalmente, para fazer streaming de um qualquer jogo, que servirão para correr de forma local certos tipos de jogos.
A indústria de jogos está a mudar a mentalidade do seu modelo de negócio; Microsoft e Sony não estão a investir mais em hardware dedicado, o Software As A Service que a Microsoft já utiliza noutros negócios vai ganhar mais força, as exclusividades vão passar a ser diluídas e restará uma Nintendo forte nas suas convicções de continuar a servir o jogador da forma que eles idealizaram, com o eu divertimento próprio, enquanto do outro lado os exclusivos começam a ser partilhados entre plataformas.

Se era já normal termos excluivos xBox no PC, também começamos a ver exclusivos Sony no PC. E isto diz-nos muito sobre a visão a médio prazo dos grandes players de produção de harware dedicado a videojogos.
As editoras sofreram imenso com os erros crassos dos administradores. Tomadas de decisões sobre o rumo de muitos videojogos levaram a que exista, finalmente, uma luz ao fundo no túnel, a concorrência sobre a qualidade está de novo na mesa.
EA, uma das maiores produtoras de videojogos, está a mudar. Deixou de olhar para o seu umbigo, pois sofreu onde dói mais por causa das suas últimas decisões, e a comunidade como um todo está finalmente a ser ouvida.
O medo de uma gigante Microsoft com um monopólio está, finalmente, a dar frutos nas restantes editoras.
O afastamento de uma Sony ou Microsoft vai colocar mais pressão em produtoras como a EA. Já não se trata apenas de hardware e exclusivos, trata-se de pisar o mesmo terreno na produção de jogos para todas as plataformas (seja isso o que for no futuro).

Para o jogador, isto pode significar ganhar libertadade em termos de plataforma, mas cada vez mais a perda da liberdade sobre aquilo que é do jogodor e a comunidade está ciente disso.
O movimento Stop Killing Games veio demonstrar que existe consciência global sobre o que significa o sentimento de posse de um videojogo.

Cada vez mais se fala de videojogos, e o negócio de mil milhões, que acabou por estar sempre escondido da ribalta, cada vez tem mais impacto nas notícias fora da especialidade.
Acredito que os próximos anos vão ditar uma grande mudança de como consumimos jogos, uma grande mudança na qualidade das entregas e se, por um lado, fico receoso da forma como os grandes monopólios vão fazer o que sabem fazer melhor, monipolizar para gerar lucros, sinto que o jogador e a comunidade vão finalmente ser mais ouvidos e a qualidade das entregas ser cada vez melhor.
Que venha o futuro.