Desde 2007, fui jogando praticamente todos os Assassins’s Creed do mercado, incluindo a sub-serie Chronicles. Resta-me apenas alguns DLC’s que careciam de substância, capaz de fazer valer o meu tempo. Mais recentemente (em 2017), com gravíssimos problemas de cansaço visual e da pouca ambição no que toca a mecânicas, a Ubisoft entregou-nos Assassin’s Creed Origins, um grande ponto de viragem na série, com uma nova abordagem da jogabilidade, num estilo de RPG com sistema e níveis de XP e um combate completamente diferente dos seus antecessores.

Depois de Origins, a Ubisoft decidiu seguir o seu modelo-conforto que já havia acontecido antes, mantendo Odyssey (2018) — um dos meus menos favoritos —, e Valhalla (2020) no mesmo padrão. Apesar de Valhalla, ser o mais bem-sucedido de toda a história da saga, a Ubisoft não quis voltar a cair no erro da fórmula cansada, e trazer mudanças para Assassin’s Creed Mirage, tornando-o assim um jogo mais conciso e directo, com menos grind.

Devem estar a perguntar o porquê de ter praticamente resumido alguns dos lançamentos da saga, mas para perceber o lançamento desta nova entrada, é bom entender o pedido dos fãs, e a acessibilidade e vontade de ouvir da Ubisoft, e eis que nos surge Assassin’s Creed Shadows, uma mistura muito equilibrada de tudo o que de bom foi feito durante mais de 15 anos.

Shadows leva-nos até ao Japão feudal, mais especificamente durante o período Azuchi-Momoyama, uma época extremamente interessante da história japonesa, carregada de intriga, guerra, e especialmente; mudanças políticas e culturais. Desta vez, temos dois protagonistas, com lutas e personalidades distintas, mas com muito em comum. Naoe e Yasuke, são completamente diferentes no seu estilo, origem e personalidade, e é precisamente por isso que existe uma dinâmica tão interessante que me deu um gozo tremendo de explorar. Naoe é a típica shinobi romantizada dos animes. É super ágil, furtiva e letal. É perfeita para quem gosta de uma abordagem mais stealth, e pode escalar rapidamente, usar telhados e sombras para se mover sem ser vista. Já Yasuke, é um africano que chegou ao Japão com os portugueses, e acabou por agradar e servir como samurai de Oda Nobunaga. É um personagem forte, com capacidade de usar armas pesadas, como katanas, lanças e martelos de guerra, sem medo de batalhas frontais. É sem dúvida, o músculo dos dois, capaz de destruir armaduras, portas e estruturas com força bruta, mas pecando em mobilidade e stealth.

Esta troca constante (não disponível inicialmente) dá uma extrema profundidade ao jogo, e enriquece a história ao aproximar-te das personagens — porque vês as coisas “por dentro” e não só através de um único olhar. A jogada da Ubisoft te levar a conhecer os dois pontos de vista destes outsiders, e vivenciando o contraste entre um guerreiro estrangeiro que tenta encontrar o seu lugar numa terra caótica, e uma shinobi conhece e viveu o sofrimento do seu povo, é feita de forma primordial.

A Internet está muito chata, cada vez mais, e muitas vezes as desenvolvedoras metem-se a jeito, convenhamos. Não obstante, o linchamento público que constantemente tentam fazer a empresas como a Ubisoft, condicionam a liberdade criativa e escolhas dos desenvolvedores. Há mais que provas que mencionem Yasuke como uma figura histórica naquele local, inclusive o nosso conterrâneo Luís Fróis, numa carta algures em 1581, descreve a chegada de Yasuke ao Japão acompanhando, e o subsequente encontro com Nobunaga. Porque questionam Yasuke como Samurai, mas não a Naoe e o seu clã de ninjas, clãs nunca provados históricamente? Com factos históricos, sabemos que nunca existiu uma classe social no Japão feudal em que o ninja estivesse no topo da hierarquia, no entanto; isto é apenas um jogo, e como me sabe bem separar a ficção da realidade. Se Yasuke foi um samurai ou não? Pouco interessa. O que me interessa, é saber que a cultura foi respeitada, e a construção desta personagem prova que a Ubisoft acertou em cheio. As vendas falarão por si, e serão elas a ditar se o linchamento online de quem não é nem nunca foi historiador valeu de todo a pena.

O jogo tem uma narrativa sólida, com muito conhecimento para explorar sobre a época. Um dos maiores problemas da Ubisoft que me vinha causando um grande desconforto, era a capacidade de criar histórias alternativas, dando um foco extremo para a narrativa. Desta vez, senti uma mudança positiva. As missões secundárias estão muito mais interessantes, bem escritas, e com fundamento. Existem as missões secundárias tradicionais, os rumores, e alvos para abater ao longo da região Japonesa. Se há muito que possam dizer dos personagens e da sua veracidade, não se aplicará à região Japonesa. Se assististe a brilhante série Shogun, provavelmente sentirás uma familiaridade muito grande ao jogar esta obra de entretenimento digital. Não de forma tão densa, mas a Ubisoft construiu aqui história com igual cuidado, seriedade e respeito. Será possível fazer actividades extra como desenhar algumas das belas maravilhas do Japão, e depois visitar o animus database para ficar a saber sobre cada uma delas.

A ambientação do jogo é de um primor extremo, bem como a Ubisoft nos habituou ao longo dos anos. São realmente uns alienígenas, tal é a facilidade de criar mundos tão bem estruturados, em tão pouco tempo. Shadows apresenta um mundo aberto detalhado, incluindo cidades, postos comerciais, terras agrícolas e castelos em escala quase real. A arquitectura e os ambientes reflectem bem a diversidade da época, e para ajudar, a Ubisoft apresenta-nos as estações do ano, funcionalidade que altera o ambiente conforme a progressão da campanha. Por exemplo, no inverno, os lagos congelam, afectando rotas de infiltração, enquanto que na primavera e verão, a vegetação mais alta pode ajudar a oferecer mais opções de esconderijo. Não só isso, mas condições como a chuva e o nevoeiro, influenciam a visibilidade e audição dos inimigos, e isto é imersão pura.

Já mencionei acima o facto de poder usar sombras para te camuflares no ambiente, mas rastejando, é uma das adições mais interessantes de Assassin’s Creed Shadows, eficaz para aumentar a sensação de furtividade e imersão no jogo. Esta mecânica foi aprimorada para combinar perfeitamente com o estilo stealth de Naoe, mas também pode ser usada em algumas situações por Yasuke. Isto oferece uma forma te esconderes em espaços pequenos, passar por baixo de obstáculos, e seres uma só com o ambiente, atacando assim de forma letal sem que o inimigo te consiga acompanhar.

O combate é o que já conhecemos dos antecessores, mas aprimorado, com golpes inéditos e eficazes. Com a skill certa activa, podes por exemplo efectuar ataques rápidos que permitem cortar, saltar e reverter para outra posição em combate. Podes agarrar o inimigo para o nocauteares, e tudo funciona como se de uma dança se tratasse. São realmente sequências de jogabilidade muito mais fluídas e naturais, algo às vezes não sentido em Valhalla ou nos títulos anteriores.

O que também vem sempre seguindo em Assassin’s Creed como se de uma praga se tratasse, é a inteligência artificial dos inimigos, que não se mantem ao nível de quase todos os restantes quesitos em Shadows. Os padrões da partrulha são extremamente fáceis de manipular, não dando aso para estimular a criatividade do jogador para usar ferramentas e outros meios, como um Last of Us Part II; por exemplo. Também reparei em alguns bugs em que do nada, os inimigos ficam completamente alerta, com movimentos repetitivos, e num loop constante que me fez reiniciar a missão. Existem alguns limites em que os inimigos podem ir, causando até momentos cómicos em que é possível apenas com um passo, alterar completamente a trajectória do mesmo antes do golpe.

Se jogaste Valhalla, sabes que há um esconderijo pronto a personalizar. O esconderijo em Shadows, é uma das características centrais do jogo, mais importante que o da era dos Vikings. Serve como base segura para os assassinos que poderás recrutar, onde poderás planejar as tuas acções, armazenar recursos e interagir com outros membros da irmandade. Neste local, poderás personalizar os edifícios a teu bel-prazer, desde paredes, pisos, ornamentos e até o layout da construção. Usar a forja, e interagir com outros moradores. Mais que guardar itens e recursos, pensa nesta safehouse como o teu porto seguro, o local onde consegues exprimir o gozo do teu sucesso durante a campanha, deixando o teu toque especial, com itens, pessoas, e até animais, para adicionar ao cardápio dos cosméticos.

Um agradecimento especial à Ubisoft pela cedência de uma cópia para análise na plataforma Xbox Series X.

CONCLUSÃO
Dupla imbatível
8.5
Igor Gonçalves
Curioso, explorador, e fã de videojogos desde que me lembro, e em especial pela saga Metal Gear. Não jogo plataformas, jogo jogos.
assassins-creed-shadows-analiseShadows é uma excelente adição à série, oferecendo inovação e respeito pela história, embora com alguns pequenos contratempos. Uma excelente escolha para fãs da saga, e para quem busca um Assassin's Creed equilibrado entre acção, furtividade e narrativa, com algumas novidades gratificantes.