Escondido entre árvores coloridas e folhas de chá, Wanderstop é um mistério que nos transporta para um universo curioso, onde a realidade e a fantasia se sentam num banco de jardim para tomar chá e pensar sobre o passado, o presente e o futuro. Uma viagem criativa e metafórica que explora os sentidos, acalma a mente e marca todos os que nela decidem embarcar.
Wanderstop conta-nos a história de Alta, uma lutadora de sucesso que se vê confrontada com o fracasso e a frustração, cenários para os quais não estava preparada. Perdida na floresta e nos seus próprios pensamentos, Alta encontra refúgio na Wanderstop, a casa de chá do simpático Boro, um amigo e conselheiro que a vai acompanhar ao longo da aventura. É ali, mergulhada no silêncio da clareira e nos aromas e sabores dos chás que vai preparando, que Alta, cuja pele vestimos em Wanderstop, procura recuperar o foco e reencontrar o seu próprio caminho.
Num contexto geral, Wanderstop pode, no início, demorar algum tempo a compreender. Não necessariamente pelas mecânicas ou pelos comandos, mas pelo contexto da história. Uma lutadora que se vê perdida na floresta e acaba a gerir uma casa de chás mirabolantes visitada por humanos e seres fantásticos é algo que combina vários universos do nosso imaginário e que acaba por ir um pouco além do que era necessário para que resultasse. De qualquer forma, funciona e é isso que importa!
Esta criação da Ivy Road é um espaço confortável que, curiosamente, nos atira para fora da nossa zona de conforto, levando-nos a refletir, num contexto descontraído, sobre questões com as quais nos deparamos diariamente na vida real. Este encontro de dimensões é o que torna Wanderstop verdadeiramente impactante, numa receita que vence pelo simbolismo, pela magia da música e das cores e pelo carisma das personagens que nos dá a conhecer.
Há muito para fazer!
O que no início parecia um simples simulador, orientado por tarefas básicas e repetitivas, acabou por se transformar numa viagem introspetiva e com uma profundidade inesperada. Na verdade, esta profundidade é o grande plot twist de Wanderstop. E peço desculpa por revelar um plot twist numa análise, mas neste caso não tem qualquer problema e ajuda a defender a qualidade deste título. Mas vamos ao trabalho e nada melhor do que começar pelo primeiro passo.
Combinando sementes e pequenas plantas de acordo com padrões de formas e cores, Alta semeia, rega e colhe frutos com os quais confeciona chás para servir aos clientes ou para ela própria tomar. Esta é a base de Wanderstop e o que é essencial saber para desempenhar as principais tarefas do jogo. Para além desta componente basilar, Alta está igualmente encarregue de recolher folhas de chá, interagir com os divertidos pluffins, remover ervas indesejadas e varrer as folhas do chão da clareira, podendo ocasionalmente descobrir objetos que alimentam a sua coleção de canecas, pinturas e decorações.

À medida que os capítulos de Wanderstop vão avançando, os pedidos dos clientes tornam-se naturalmente mais complexos e trabalhosos, requerendo algum esforço e atenção. Felizmente, a execução está bastante bem conseguida, na medida em que não deixa o jogador perdido em qualquer ocasião, oferecendo sempre uma forma de o orientar ou auxiliar. Para além disso, as falhas técnicas são praticamente inexistentes, tornando-se claro, logo nos primeiros minutos, que Wanderstop foi bem testado em vários aspetos.
Apesar de a estrutura estar bem equilibrada em termos de história central e tarefas mais elementares, é possível prolongar a duração de Wanderstop, que no meu caso foi de cerca de dezasseis horas, compondo a clareira, decorando a casa de chá e até capturando fotografias, com as quais é possível colorir as paredes, guardando assim recordações de momentos e clientes que por lá passaram. No fundo, seguindo a própria premissa central, Wanderstop não oferece uma quantidade extraordinária de horas de jogo, mas sim um tempo generoso e focado na qualidade.
Um chá e uma história
Em termos práticos, Wanderstop assenta em dinâmicas simples, mas que permitem descobrir o jogo em diferentes eixos. Ao não sobrecarregar o jogador com tarefas complicadas ou demasiado desafiantes, torna-se perfeito para sessões descontraídas, mais ou menos longas, onde oferece um refúgio para os dias mais complicados e uma experiência de jogo leve e reconfortante. Os comandos são simples, a exploração, apesar de limitada no espaço, é interessante e, concluídas as tarefas, resta sempre algo para fazer, mesmo que seja “não fazer nada”, como iria sugerir o nosso amigo Boro.
O cuidado da casa de chá é complementado pela descoberta e pela criação de plantas e chás, passos que ficam documentados no Guia de Campo, que, para além de um registo, colabora na preparação de pedidos futuros. Com a chegada de novos clientes à Wanderstop, Alta terá de confecionar as bebidas solicitadas, muitas vezes pela primeira vez, recorrendo a uma gigantesca e curiosa máquina de chá, que vai acabando por aprender a usar.

Felizmente, os clientes que chegam à casa de chá de Boro não trazem apenas pedidos para manter Alta ocupada. No decorrer da preparação das bebidas, os visitantes vão partilhando a sua história e o que os levou até àquela paragem e refletem sobre diversas questões com as quais qualquer jogador se pode identificar. Cada um deles traz uma personalidade própria e uma metáfora para um dos muitos temas abordados em Wanderstop. Da ambição louca à obsessão com resultados e eficiência, passando pelo vício no trabalho, a destruição da individualidade e a pressão da sociedade que molda hábitos e estilos de vida, são bastantes os assuntos que Wanderstop trata com subtileza e de forma inteligente e integrada na história.
Arte pura
Wanderstop não prima pelo realismo, o que até abona a seu favor. Com cores vivas, uma banda sonora melodiosa e um ritmo lento e descontraído, esta criação da Ivy Road, que nos ensina desde cedo a abrandar e a desfrutar do processo de cura e crescimento, transpõe a sua mensagem central para a própria estrutura do jogo.
Num cruzamento de conceitos atuais com referências clássicas, Wanderstop não falha naquilo que pretende oferecer: uma experiência imersiva e que nos faz pensar. Num período em que estamos tão habituados à eficiência e a um mundo rápido e superficial, esta obra convida-nos a mergulhar na profundidade do que parece simples e força-nos a desfrutar de uma calma que acabamos por perceber que é necessária.

Não é arriscado escrever que Wanderstop é um dos melhores títulos que joguei nos últimos tempos. Sem adversários, sem pontuação, sem cronómetro, sem game over e sem pressa. Wanderstop é uma experiência para desfrutar, como se fosse um bom chá, para explorar, como uma vasta e tranquila clareira, e para pensar, como o sábio conselho de um amigo.
Como esperava, Wanderstop emocionou-me, num misto de sentimentos que estará comigo por algum tempo. Não por muito, apenas o que for necessário, porque, como o próprio jogo nos ensina: tudo o que conhecemos é efémero e deve ser apreciado com tranquilidade e apreço, dure o tempo que durar. Obrigado por esta viagem. Não sabia, mas estava a precisar.
Wanderstop, da Ivy Road, está disponível para PlayStation 5, Xbox Series X e S e PC.