Há jogos que chegam com a força de uma lenda que se recusa a morrer, e Ninja Gaiden 4 é exatamente isso: o renascimento furioso de uma saga que marcou o género da ação. Com a colaboração entre a Team Ninja e a PlatinumGames, o título não é apenas uma continuação, e sim uma fusão explosiva entre duas filosofias de combate, um casamento improvável que resulta num dos jogos mais intensos e viciantes dos últimos anos.

Quando se soube que a Team Ninja iria trabalhar lado a lado com a PlatinumGames, as expectativas dispararam. De um lado, a precisão cirúrgica e brutal de Nioh e Ninja Gaiden; do outro, a exuberância e a velocidade vertiginosa de Bayonetta e Astral Chain. O resultado é um híbrido feroz que combina o melhor das duas casas japonesas: o rigor técnico da primeira e a teatralidade explosiva da segunda.

O jogo é apoiado pela Microsoft (encontra-se disponível no Game Pass), e a produção reflete essa escala. Ainda que visualmente nem tudo brilhe, a direção artística é funcional mas pouco variada, o verdadeiro espetáculo está no ecrã durante o combate. E que combate.

A narrativa alterna entre Yakumo, o novo protagonista da Raven Clan, e o eterno Ryu Hayabusa, o símbolo máximo da saga. Yakumo assume cerca de 80% da campanha principal, enquanto Ryu surge em capítulos específicos que funcionam quase como homenagens jogáveis ao legado da série.

A dinâmica entre ambos é interessante: Yakumo é mais tático e dependente de transformações, com uma cadência de ataques deliberada; Ryu, por outro lado, é pura velocidade, um tornado de aço e fúria que faz recordar os dias gloriosos de Ninja Gaiden II. A troca entre estilos cria ritmo e variedade, e sentir a diferença de peso, alcance e velocidade entre ambos é parte essencial do prazer do jogo.

O enredo é simples, mas eficaz: o renascer do Dragão Negro ameaça mergulhar o mundo numa espiral demoníaca, e cabe aos dois ninjas, inimigos de clãs rivais, unirem forças para travar a catástrofe. É um pretexto clássico para a acção, e, honestamente, não precisava de ser mais do que isso. A escrita é competente, as vozes estão à altura, e há momentos de autêntico fan service para quem segue a série há anos.

Mas Ninja Gaiden 4 não vive de história, vive de combate. E aqui, a obra conjunta da Team Ninja e da PlatinumGames atinge algo notável. O sistema é fluido, agressivo e profundo, com um ritmo quase musical. Cada esquiva perfeita, cada contra-ataque no momento certo liberta uma descarga de adrenalina que te faz querer dominar mais e mais, ainda que eu seja um caos de timing e rapidez.

Yakumo empunha quatro armas principais, todas com estilos e propósitos distintos, desde as lâminas duplas até uma lança que se transforma num perfurador rotativo, passando por garras e bastões de dupla lâmina. A alternância entre armas é instantânea, permitindo encadear combos que parecem coreografias assassinas.
A sua forma especial, Bloodraven, adiciona um novo nível de ferocidade, alterando propriedades das armas e abrindo espaço para contra-ataques devastadores. Dominar esta forma é essencial, pois muitos inimigos exigem o uso dessa energia para serem feridos. Ryu, mais tradicional, mantém a Dragon Sword e uma jogabilidade mais clássica; rápida, direta, implacável. A secção com ele é curta, mas intensíssima, e recordar o velho mestre da lâmina é como revisitar um velho amigo em plena forma.

Ninja Gaiden 4 continua a ser um jogo que não perdoa erros. Mesmo no modo Normal, cada embate exige precisão, leitura do inimigo e reflexos rápidos como uma lâmina, e não é por acaso que um jogo que pode ser finalizado de 10 a 15 horas, levou-me mais de 25.
Errar é punido com brutalidade, e os consumíveis de cura são limitados, forçando-te a melhorar. Mas é precisamente essa filosofia, a de te fazer crescer como jogador, que torna o progresso tão recompensador. Quando vences um chefe após dez ou quinze tentativas, o sentimento é de triunfo puro.

A dificuldade é escalável, permitindo alternar livremente entre modos, incluindo o “Hero Mode” para iniciantes, que suaviza a punição sem quebrar o ritmo. Mesmo assim, a essência da série permanece intacta: Ninja Gaiden 4 é um jogo de aprendizagem e aperfeiçoamento, onde a vitória só tem valor porque foi conquistada à custa de suor e disciplina.

O jogo é bastante linear, mas compensa isso com um fluxo de ação constante. Cada nível é uma sequência de arenas, plataformas e confrontos intensos, entrecortados por secções de mobilidade que lembram um Sonic violento: grindar em carris, correr em paredes, planar entre destroços de prédios, tudo com uma fluidez que impressiona. A PlatinumGames deixa a sua marca nestas secções cinéticas, que funcionam como respirações visuais entre os combates, mas também como espetáculos de ritmo e reflexo. É impossível não sorrir quando tudo se encaixa: a sequência perfeita entre salto, corrida e ataque aéreo é pura poesia digital.

Ainda assim, há falhas que continuam a ser quase característica da série. A câmara continua problemática, especialmente em combates com múltiplos inimigos. Em certos momentos, perdes completamente a noção do que está a acontecer, e, numa série que exige leitura precisa de movimentos, isso é mais do que frustrante. É um defeito herdado do passado que merecia já ter sido resolvido.

Visualmente, Ninja Gaiden 4 tem dois rostos. Por um lado, a direção de arte é elegante, com Tóquio futurista coberta de néons, sombras e neblina demoníaca. Por outro, há uma clara falta de variedade cromática e de cenários: demasiado azul, demasiado escuro, demasiadas repetições visuais. Depois de algumas horas, é fácil sentir que se está sempre no mesmo lugar, o que reduz o impacto da viagem.

Tecnicamente, o jogo corre a 60 fps (testado numa Xbox Series X) estáveis no modo desempenho, o que é essencial num título que vive de velocidade. Ainda que a resolução dinâmica sofra pequenas quedas durante os combates mais caóticos, o desempenho geral é exemplar.

Uma nota também para a banda sonora, que alterna de forma brilhante entre temas eletrónicos pulsantes e coros orientais que amplificam a tensão, um dos melhores trabalhos sonoros do estúdio em anos, e que certamente veremos na próxima edição do The Game Awards.

No fundo, Ninja Gaiden 4 é um tributo à escola japonesa de design de ação, àquela filosofia que não se contenta em entreter, mas quer testar-te. Não é um jogo feito para todos, mas é um jogo que respeita quem o domina. Há uma satisfação quase espiritual em aprender cada combo, em reconhecer o padrão de ataque de um boss e transformá-lo numa dança controlada de caos e precisão.

É também um lembrete de que, mesmo numa era dominada por Soulslikes, ainda há espaço para o puro hack-and-slash estilizado, aquele que te desafia não pela paciência, mas pela habilidade. E nesse aspeto, Ninja Gaiden 4 é uma verdadeira celebração do género, sangrento, técnico e incrivelmente viciante.

Um agradecimento à Ecoplay pela cedência de uma cópia digital deste título para Xbox Series.

CONCLUSÃO
Insanidade da espada!
9
Igor Gonçalves
Curioso, explorador, e fã de videojogos desde que me lembro, e em especial pela saga Metal Gear. Não jogo plataformas, jogo jogos.
ninja-gaiden-4-analiseNinja Gaiden 4 é uma ode à arte da lâmina, uma sinfonia de sangue, velocidade e estilo que devolve à série o seu lugar no topo. Se a ação é a tua religião no que toca a jogos, este jogo é o teu lugar de culto.