Há algo de especial em regressar ao caos colorido e sarcástico do universo de The Outer Worlds. Quando o primeiro jogo chegou em 2019, trouxe um humor mordaz, críticas afiadas ao sistema político e um elenco de personagens tão excêntricas quanto memoráveis naquele estilo que só a Obsidian sabe fazer. Agora, com The Outer Worlds 2, a Obsidian Entertainment volta a provar porque continua a ser um dos estúdios mais respeitados no género RPG ocidental.
Desta vez, assumimos o papel de um agente do Earth Directorate (o governo da terra), enviado ao sistema de Arcádia, uma colónia controlada por uma força política chamada The Protectorate. O objetivo parece simples: investigar uma tecnologia experimental de propulsão, mas, como é habitual no universo da Obsidian, rapidamente tudo descamba em traições, conspirações e dilemas morais abusrdamente bem feitos.
Se o primeiro jogo se focava no poder corrosivo das corporações, aqui a crítica expande-se para os extremos políticos e ideológicos. The Protectorate funciona quase como uma paródia distópica da obediência cega ao sistema, uma sociedade que apaga pensamentos segun do eles impuros e venera um plano que ninguém parece compreender. É uma evolução natural do comentário social da série, que mistura ironia, sátira e uma boa dose de tragédia.
Mas não se fica apenas por metáforas políticas. As guerras corporativas continuam a dominar o pano de fundo, agora com a fusão “Auntie’s Choice” a servir de vitrina para a hipocrisia do livre mercado espacial. O slogan “não é apenas a melhor escolha, é a única” resume bem o tom de crítica que atravessa todo o jogo.
As escolhas narrativas são, sem dúvida, o coração da experiência. Cada diálogo tem peso, e raramente há decisões puramente “boas” ou “más”. Uma simples conversa pode desbloquear (ou fechar) caminhos inteiros de missão, dependendo das tuas habilidades, do teu histórico e até de quem te acompanha. E o melhor é que o jogo lembra sempre as tuas ações, por mais pequenas que pareçam, voltam sempre para te assombrar mais tarde.
Uma das forças da Obsidian sempre foi a escrita de personagens, e The Outer Worlds 2 não foge à regra. O grupo de companheiros é variado, sarcástico e cheio de nuances. Nenhum deles é perfeito, e é exatamente por isso que funcionam tão bem.
Durante as suas missões pessoais, é fácil criar empatia e até mudar de opinião sobre certas figuras. Uma personagem que inicialmente parece irritante pode acabar por se tornar a voz da razão ou revelar um passado surpreendente. Além disso, as interações entre eles e o protagonista são mais dinâmicas, e as escolhas feitas nas conversas refletem-se de forma orgânica na relação do grupo.
No campo da ação, The Outer Worlds 2 melhora quase tudo o que o original oferecia. As armas têm mais peso, os disparos soam poderosos e o feedback em combate é muito mais satisfatório. Cada inimigo tem resistências específicas, o que incentiva o jogador a variar o arsenal e a planear melhor os confrontos. A inteligência artificial dos aliados é bastante competente, mesmo nas batalhas mais caóticas. Só em situações de longo alcance é que podem ficar vulneráveis, mas no geral adaptam-se bem às circunstâncias.
A personalização das armas e armaduras é outro ponto alto. O sistema de crafting está mais robusto, permitindo criar combinações criativas que afetam diretamente a tua estratégia. De balas elétricas a modificadores corrosivos, há sempre algo novo para experimentar.
E já que falamos da personalização, vamos ao quesito visual, que The Outer Worlds 2 dá um salto considerável em relação ao seu antecessor. A estética retro-futurista continua intacta, mas agora com mais detalhe, mais textura e um uso de cores vibrantes que dá vida a cada planeta. A Obsidian adotou uma direção artística mais suja e industrial, que combina o glamour decadente do Art Deco com a ferrugem de um império em colapso.
Cada local conta uma história: colónias abandonadas, fábricas corroídas pela ambição corporativa, templos iluminados por néons decadentes. Mesmo nos ambientes mais monótonos, há sempre um detalhe que chama a atenção: uma propaganda absurda, um robô em greve ou um letreiro meio apagado a prometer liberdade.

Há, claro, alguns soluços técnicos. Ocasionalmente surgem quebras de performance (testado numa Xbox Series X) e os clássicos bugs “made in Obsidian”: NPCs presos em paredes ou animações que se baralham. Mas nada que estrague a experiência, e até contribui um pouco para o charme caótico da aventura (não me julguem).
A progressão das habilidades é mais transparente e interessante. A cada nível, escolhes pontos para investir em diferentes áreas: combate, persuasão, engenharia, liderança, entre outras. O jogo reage ativamente à tua forma de jogar. O sistema de falhas (flaws) é talvez a mecânica mais curiosa. Com base nas tuas ações, o jogo pode oferecer-te vantagens acompanhadas de desvantagens temáticas: ficas mais hábil a negociar, mas perdes carisma nas conversas; ou ganhas descontos nas lojas, mas ficas mais propenso à ganância. São pequenos detalhes que tornam cada personagem única e dão um toque delicioso de humor negro à jogabilidade. Isto não é nada que não estejamos habituados quando já jogamos Fallout, e outros títulos do género, mas é sempre uma novidade quando as linhas são tão bem escritas.
Apesar de todas as melhorias técnicas e de jogabilidade, o que mais se destaca é o tom. The Outer Worlds 2 é ao mesmo tempo divertido, provocador e, em certos momentos, até melancólico. A escrita continua afiada, com piadas certeiras sobre capitalismo, propaganda e moralidade, mas também sabe dar espaço a momentos de silêncio e reflexão. Há diálogos que ficam connosco, pequenas linhas que expõem o absurdo do sistema e a fragilidade humana por detrás da máscara corporativa. É um equilíbrio que poucos estúdios conseguem atingir, e a Obsidian acerta em cheio.
The Outer Worlds 2 é uma sequela que não tenta reinventar a roda, apenas a faz girar melhor. É maior, mais confiante e mais consciente daquilo que quer ser. Mantém o charme satírico do original, mas com uma visão mais madura e um mundo mais denso, onde cada escolha conta e cada desvio pode esconder uma história memorável.
Um agradecimento à Ecoplay pela cedência de uma cópia digital para análise na Xbox Series X































