Olá, novo recruta! Sê bem-vindo a um especial Squared-Potato! Se acreditas num mundo em liberdade, apregoas democracia e juras defender os indefesos, então fica sabendo que, graças à grandiosa generosidade da PlayStation Portugal, tens uma leitura obrigatória pela tua frente com uma análise ao novíssimo Helldivers 2 em dose dupla: uma da versão PC pelo je, Ulisses Domingues e outra da versão PS5, com autoria de Bruno Vieira. Dado que esta espécie de combinação one-two à lá Mike Tyson nem sempre sucede; um dois-em-um como as cápsulas para a máquina de lavar loiça, o texto em baixo estará estruturado de forma fora do habitual. A peça do Ulisses estará sempre formatado à esquerda, com a do Bruno à direita.
Ulisses Domingues:
Atualmente, devido ao sucesso contagiante nas redes sociais, é difícil encontrar alguém que não tenha visto ou ouvido falar do fenômeno Helldivers 2, um TPS (third person shooter) multijogador desenvolvido pela Arrowhead Game Studios, responsável por Magicka e a iteração anterior ao título em epígrafe. Apesar do discurso online, inicialmente, focar-se bastante nos problemas em estabelecer conexão aos servidores ou utilizar a função Quick Play, Helldivers 2 já se encontra estabilizado e oferece um espetáculo divertido de ficção científica frenético, bombástico e ultra-masculino, ingerindo inspiração aos quilos de Starship Troopers, o clássico de Paul Verhoeven do final dos anos noventa.
Bruno Vieira:
Quando a Sony anunciou que iria investir em vários Games as a Service pensei de imediato “a sério?”. Eis que se passaram anos e não vimos grande desenvolvimento, até que Factions foi cancelado. Isto trouxe um misto de alegria e tristeza pois parecia que o plano dos 10 jogos anunciados como Games as a Service seria descontinuado. Eis que, no meio desta turbulência, nos chega Helldivers 2, que traz consigo uma rajada de vento tão forte que libertou toda e qualquer turbulência quanto ao padrão de qualidade que a Sony pretende nos tais Games as a Service. Desenvolvido pela Arrowhead Game Studios, dá seguimento às aventuras do seu antecessor homónimo, misturando humor com violência completamente gratuita, mas recompensadora.
Ulisses Domingues:
O enredo, semelhante ao clássico de culto cinematográfico supra referido, é ridículo e humorístico, pelo menos à primeira vista: Um século após a vitória triunfante no primeiro Helldivers contra os seus inimigos, Super Earth (planeta terra futurístico) desfruta de um período de paz e colonização galáctica. No entanto, a sua dependência de uma substância proveniente dos Terminids, raça alienígena nada semelhante aos Arachnids de Starship Troopers, leva a uma consequência indesejada, despoletando novamente o programa Helldivers para garantir a segurança da raça humana.
Abstive-me de detalhes adicionais, pois além da LIBERDADE ou DEMOCRACIA LIDERADA, não há mais a ser explorado, mas Stephen Flowers, responsável pela história do videojogo, promete muito neste departamento. Quiçá, imagino eu, usufruindo da capacidade de desenvolver Helldivers 2 num GaaS (Games as a Service) como um ponto positivo, onde o enredo principal é conduzido pelas ações dos jogadores enquanto comunidade. Logo, ao contribuírem para a Galactic War, mecanismo principal que veicula a narrativa, concluindo missões e objetivos, o enredo prossegue por esta via e também pelas atualizações gratuitas iminentes.
É empolgante saber que os sucessos individuais contribuem para um resultado coletivo, prometendo, com o passar do tempo, uma sensação refrescante através desta Galactic War. Afinal de contas, caso pare de jogar Helldivers 2 (pouco provável) e volte mais tarde o foco do enredo poderá ser outro, com objetivos mais ou menos interessantes. Tendo em conta o sucesso do título (perto de 460 mil jogadores no dia 21 de Fevereiro na Steam) esta mecânica parece assegurada, e será interessante assistir de perto os desenvolvimentos ao longo do ano.
Sem sombra de dúvida, um dos pontos mais fortes de Helldivers 2 é a sua coesão narrativa, com um enredo repleto de pompa e circunstância humorística. Todos os cantos do jogo, desde o início, gritam por um patriotismo irrisório, criando uma dualidade contraditória: tanto estamos coletivamente a lutar pela Super Earth, como o valor individual é brutalmente desvalorizado. Isto verifica-se por várias ocasiões durante o nosso serviço à pátria, mais concretamente no início quando uma transmissão falsa indica que o típico Helldiver está 27,1% pronto para combate com 97,4% de patriotismo.
Isto está intimamente ligado ao tutorial inicial, uma lição que mescla o tom ridículo com a seriedade e absurdez do contexto. Para além disso, ao contrário do clichê do super soldado, Helldivers são indivíduos muito mal preparados a todos os níveis e isto sente-se na jogabilidade, não só pela fragilidade física da nossa personagem, mas também pela incapacidade de destruir como, por exemplo, um Master Chief da franquia Halo. Diga-se de passagem que o termo correto seria carne para canhão, representado pelo sistema de respawn durante a jogabilidade principal, onde a personagem encarnada é simplesmente substituída por outro candidato ansioso, entregue no campo de batalha via pequeno drop pod.
Bruno Vieira:
Passamos a encarar o nosso Helldiver em terceira pessoa, ao contrário da visão isométrica que encontrávamos no primeiro título. Isto não só permite uma maior envolvência como também traz outro nível de detalhe às cruzadas que levamos a cabo, aproximando-nos dos vários perigos ambientais e das imensas hordas de Terminids que iremos encontrar.
Ulisses Domingues:
Igualmente intrigante em Helldivers 2 é como este não descansa em tratar cada passo da aventura com uma ironia gritante e constante aos temas militares de patriotismo e heroísmo. Desde equipar o Helldiver, aos gritos ocasionais durante combate e a participar em conversa de ocasião com os poucos NPCs, a atmosfera presente reforça constantemente a adoração desenfreada por Super Earth, sacrificando a vida se necessário, e incorporando a personalidade de um herói de ação dos anos oitenta; autêntico Rambo do espaço estelar. Até a sequência de aterrar no planeta escolhido, com um ecrã de carregamento pelo meio, enche-se com uma banda sonora à lá Hollywood, quase como os Action Man’s ou G.I. Joe’s dos desenhos animados.
Felizmente, para bem deste planeta terra futurístico, os Helldivers não são peças totalmente inúteis de um xadrez intergaláctico, graças a um recurso chamado Stratagems. Utilizá-los invoca benesses como, por exemplo, artilharia aérea numa zona à escolha, munições preciosas para continuar a distribuir altas rodadas de democracia por segundo, ou até torres de metralhadora automáticas. No entanto, atrelada a essa escolha vêm desafios, como períodos de espera (cooldowns) entre utilizações e a introdução de combinações de teclas, algo que só pode ser feito com o Helldiver parado. Estes dois elementos criam situações de stress, especialmente durante um tiroteio intenso ou uma retirada estratégica cem por cento heroica.
Dito isso, Helldivers 2 destaca-se pela sua experiência cooperativa que enfatiza fortemente a coordenação entre jogadores, onde a falta dela, especialmente em dificuldades mais elevadas, frequentemente resulta em situações aleatórias, hilárias e caóticas, com algumas frustrações causadas por jogadores mal-intencionados. Embora seja possível jogar sozinho, pelo menos nas primeiras missões onde o nível de dificuldade é baixo, rapidamente torna-se desafiante pelo intenso assédio hostil sentido em grande escala, seja pelos Terminids ou Automatons (máquinas de guerra). Posto isso, dado que os níveis de dificuldade mais altos são quase impossíveis para jogadores solitários, isto limita em boa quantidade o conteúdo desbloqueável.
Ulisses Domingues:
No entanto, oferecendo uma variedade de missões, desde evacuação de civis até a destruição de ninhos inimigos e a recuperação de materiais importantes, entre outras, Helldivers 2 é composto por várias apostas que contribuem para manter o interesse alto.
Bruno Vieira:
Lancei-me ao jogo em cooperação com um amigo meu e sem dúvida que a recompensa da colaboração suplanta o descanso de jogarmos quando queremos. Claro que me sinto “mimado” porque não joguei com jogadores aleatórios, embora o feedback que tenha recebido de quem o fez seja o mais positivo possível. Talvez pela clara inspiração em Starship Troopers em não se levar demasiado a sério, a Arrowhead consegue uma harmonia que poucos alcançaram nas sessões com vários jogadores. Creio que o maior problema de Helldivers 2 passa mesmo por se terem subvalorizado, o que levou a que os servidores se encontrem sempre lotados. Uma incrível vitória para uma humilde equipa que infelizmente veio mascarada como incompetência.
Para os míticos jogadores a solo (e mesmo em matchmaking), a dificuldade pode ser ajustada para se adequar a diferentes níveis de habilidade, e a inclusão de Stratagems (habilidades especiais como ataques de mortares ou uma simples care package com armas ou munições) permite várias abordagens ao combate. Embora possamos ajustar a dificuldade, creio que em certas alturas os picos são bastante díspares, mesmo no grau “Normal”, onde morremos por simples atropelamento de inúmeros Terminids, sem qualquer possibilidade de metermos as nossas capacidades à prova.
Quando conseguimos entrar podemos escolher entre várias missões, desde a erradicação de ninhos inimigos até à extração de recursos valiosos, o que claro, traz sempre consigo uma matança de tal escala que não sei como é que o CPU da minha Playstation ainda não fritou. Os objetivos focam-se sempre em ações simples, pois o foco de Helldivers 2 é a imprevisibilidade ambiental. Tanto podemos ter uma missão pacata como num objetivo secundário morrermos treze vezes porque fica ao pé de um ninho de inimigos gigantes. Isto obriga-nos a incluir planeamento táctico antes de aterrarmos nos planetas, pois podemos escolher onde aterramos, e uma escolha mal feita pode significar morte imediata.
Ulisses Domingues:
Não obstante, Helldivers 2 apresenta tudo isto com uma experiência visual impressionante, e uma qualidade de imagem invejável seja qual for o bioma atravessado, desde florestas a zonas geladas. Interessante foi constatar que a música está bem trabalhada dentro da jogabilidade, servindo muito mais do que barulho de fundo, auxiliando a identificar o nível de intensidade dos confrontos em tempo real, assim como entender se a equipa foi avistada ou não pela escória inimiga.
Se ainda não referi a longevidade de Helldivers 2 ou entrei em mais detalhes por boa razão foi. O ciclo de jogabilidade é simples, mas conquista à primeira pela sua simplicidade e equilíbrio; equipar o Helldiver, escolher uma missão, receber XP e materiais para adquirir novas armas, stratagems, ou aumentos passivos e repetir. Logo, o que reina será a ação do dia-a-dia e a tolerância do jogador com o modelo GaaS, atrelado a sí as microtransações (são modestas!) e warbonds (battle pass). Felizmente, a unidade monetária premium é encontrada durante a jogabilidade, sendo que nada está tecnicamente fora do alcance.
Bruno Vieira:
Como Helldivers, o nosso objetivo é espalhar democracia, traduzindo-se isto num sistema de progressão em que temos X planetas para libertar, e até os libertarmos não podemos avançar para o próximo conjunto. Nos sistemas iniciais isto passa uma imagem limitadora, visto que há sistemas com apenas dois planetas, o que nos obriga a fazer várias missões nos mesmos biomas, algo que traz alguma fatiga visual. Claro que também encontramos o contrário, pois imediatamente a seguir ao sistema de dois planetas encontrámos um de quatro, diversificando o leque.
Confesso que em maior parte dos jogos com formato live service, perco vontade de jogar ao fim de pouco tempo, dada o sistema de progressão que peca em recompensa os jogadores de acordo com o tempo despendido no jogo. Em Helldivers 2, até ver, não senti isto. Seja em experiência, pontos de requisição ou outras recompensas, conseguimos adquirir, tanto nos passes de batalha gratuitos, como nos premium, itens cosméticos e armas com relativa facilidade. Mesmo com as fatídicas micro-transações, estas não são necessárias ao progresso natural.
Ulisses Domingues:
A nível técnico, Helldivers 2 porta-se razoavelmente bem no meu Legion 5 15ACH6H – Modelo: 82JU006TPG, com amplas opções gráficas para personalizar a experiência. Após umas quantas horas bem gastas em nome da liberdade, o preset High conseguiu manter, decentemente, uma aventura a 60 fotogramas por segundo, com quedas até aos 45 em cenários mais caóticos.
Bruno Vieira:
Na PlayStation 5 podemos escolher entre dois modos visuais: Quality (resolução 4K a 30 fps) e Desempenho (resolução 1080p a 60 fps). Como a própria Arrowhead disse numa entrevista, o seu motor é arcaico, pelo que não permite visuais da mais alta categoria, e muito sinceramente, não precisa. Claramente que existiu uma escolha que favoreceu a jogabilidade e fluidez dos inúmeros acontecimentos e movimentações que decorrem durante as missões. Deixo no entanto a nota de que, embora não tenha existam visuais de alto calibre, estes adaptam-se perfeitamente à experiência e não se sentem como um jogo da geração passada.